Crítica | Nebulosa Baby


★★★★☆
4/5

Centrado na busca pelas suas origens, o terceiro disco do artista baiano Giovani Cidreira é uma projeção documental de tudo que ele viveu até os dias de hoje e como parte dessa história resulta na experiência libertadora formulada em Nebulosa Baby. Após ser inserido na cena nacional com o álbum Japanese Food, de 2017, Giovani logo conquistou espaço pela sua obra que ajudou no desenvolvimento da pós-MPB que se expandiu ao longo da década de 2010. Mas longe de sua contribuição apenas nesse campo, Giovani Cidreira — agora assinando apenas como GIO —, também serviu na promoção de experimentações acerca dessa nova abordagem musical brasileira com o disco Mix$take de 2019, um trabalho de vanguarda que antecede toda proposta realizada por ele agora no seu mais recente projeto.

De um emaranhado de referências e influências, Nebulosa Baby sonoramente é a fusão assertiva do art pop à moda brasileira com elementos de R&B e outras diversas camadas musicais desenvolvidas pelo artista e produtor Benke Ferraz da banda Boogarins. Quanto a temática, GIO afirmou em um episódio da webserie de mesmo nome no YouTube, que sua ideia é tecer um diálogo com seu povo, o povo preto, e parte desse diálogo se dá em canções que exploram a vivência da comunidade e como o racismo afeta as relações e, principalmente, a visão de mundo dos que acabam não tendo oportunidades nessa vida. E sobre essa abordagem que estabelece laços entre sua história e a de seu povo, GIO comenta em entrevista para o BN Cultura sobre “Nebulosa”, uma das faixas que traduz perfeitamente essa ideia:

Fala exatamente de alguns problemas que a gente que é preto tem. Ela fala de amor, mas também fala de violência, abuso de drogas… Enfim, vários riscos que estão assolando, e ainda assim a gente consegue se encontrar, se amar e trocar alguma coisa, de algum jeito.

Depois de um começo estridente, o álbum repousa em “Oceano Franco”, uma parceria magistral com Jadsa, e “Caminho do Mar”, sendo essa última uma ode melodiosa que pincela a presença emoldurada de Milton Nascimento. Em seguida, “Saudade de Casa” revela o ponto alto de toda experiência proporcionada até então, em que apesar de seguir um modelo parecido com as outras, a canção ganha destaque pela composição e o tom acessível que ela explora ante a distância de GIO da sua família. E se a priori um dos temas era sobre o artista em busca de suas origens, nessa música ele demonstra perfeitamente essa concepção ao descrever com detalhes e vocais subjacentes a saudade que ele sente, como no trecho: “A estrada grita meu nome no céu / A saudade pilha sua imagem num farol / Atravesso terras / Frias sem pensar / O que você me ensina é leve nunca parar / Saudade de casa”.

Percorrendo outros instantes do álbum “Pode Me Odiar” com Alice Caymmi e Obinrin Trio é mais uma peça retirada da mixtape de 2019. Depois dela, “Luzes da Cidade” acaba completando parte das parcerias, dessa vez, com Ava Rocha e o poder instantâneo da artista em se destacar ao lado de GIO, seja como uma intérprete dos sentimentos aflorados nessa altura do disco, ou como uma cúmplice dos desejos do artista em tocar na alma do ouvinte. E sobre alma, “Joias” finda a ideia inicialmente proposta por GIO em se conectar com o seu povo, a faixa em questão é uma homenagem suntuosa aos valores sensíveis da temática racial levantada ao longo projeto, temática que se materializa perfeitamente com o álbum visual disponibilizado pelo artista no YouTube, que apoiado no afrofuturismo como estética, visual e filosofia, ele consegue estender ainda mais seu impacto incisivo de se reinventar completamente enquanto aborda questões de extrema importância.

Depois de 2 anos de produção, Nebulosa Baby surge com uma densa e instigante base conceitual, onde Giovani Cidreira prezou pela mudança pessoal e artística, indo além de tudo já feito por ele em seus projetos anteriores. E apesar de bastante acessível em momentos de destaque, o disco ainda carece de um certo esforço para ser absorvido completamente. Dessa forma, pode-se dizer que o tempo acaba sendo o principal aliado do artista, seja por proporcionar sua conexão com passado e futuro, ou por permitir que sua obra ganhe cada vez mais proeminência ao longo da sua experiência autossuficiente.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Pós-MPB / Art Pop, Experimental
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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