Crítica | Purakê


★★★☆☆
3/5

Quase uma década após o lançamento do seu primeiro álbum de estúdio, Treme (2012), Gaby Amarantos retorna ao lado de grandes nomes da música brasileira para prosseguir com sua hombridade única em trazer ritmo e personalidade para o pop no âmbito nacional, coisa pela qual ela ficou conhecida no passado, principalmente por agregar referências regionais em canções que se tornaram verdadeiros presságios do que viria a ser uma explosão de artistas do norte e nordeste que passaram a ocupar destaque tanto na cena alternativa quanto no mainstream, como Duda Beat, Pabllo Vittar, Jaloo e outros. Desse contexto, o novo disco da artista segue a mesma linha que seu antecessor, porém, com uma desaceleração maior, onde, apesar de render ótimos destaques, tudo acaba permanecendo dentro do esperado.

Purakê é um banho de influências culturais — o que pode ser visto tanto pela escolha de diferentes nomes da música brasileira nas parcerias ou pelos elementos estéticos e sonoros presentes no álbum. Começando pelo nome do projeto em que Gaby faz referência ao peixe-elétrico amazônico Poraquê, até a capa do disco, na qual ela incorpora uma árvore da cabeça aos pés, representado parte do processo criativo, onde ao lado de Jaloo e Lucas Estrela — principais envolvidos na produção — eles estiveram por um tempo dentro da Amazônia, compondo, arranjando e desenvolvendo as bases de tudo que seria abordado no álbum. Esse contato com a natureza, essa verdadeira imersão em busca de materiais para construir sua obra é, sem sombra de dúvidas, um dos principais fatores que tornam o disco um grande feito e, principalmente, uma amostra única do talento, dedicação e amor da artista para com o resultado apresentado.

“Me carrega onde eu não puder andar / Me dá as mãos pra me levantar, se eu cair”, evoca Dona Onete em “Última Lágrima”, faixa que abre o disco e conta com participação de Elza Soares e Alcione, na qual somadas ao que a artista criou, conseguem soar em perfeita harmonia. Na sequência, “Opará” surge com um som ambiente de água correndo, em seguida, o instrumental acompanhado dos vocais de Gaby e Luedji Luna se colidem, revelando de maneira pura a então proposta do disco, essa mesma que acaba sofrendo uma baixa em “Amor Fake” e “Sangrando”, sendo essa última um dueto sincero com Potyguara Bardo que, com os vocais rasgados, protagoniza um dos melhores momentos, mas, infelizmente, a melodia de piano acaba tirando o tom profundo que a música poderia atingir. O mesmo acontece em “Amor Pra Recordar”, dessa vez com Liniker. Já na segunda metade do álbum, é possível notar uma melhora significativa acerca de todos os aspectos abordados ao longo dele. “Vênus em Escorpião”, lançada ainda em 2020, é um destaque a parte. O synthpop presente na base da faixa até enganou quem pensou que o álbum fosse seguir essa linha, mas por sorte, a canção protagonizada por Ney Matogrosso e Urias se tornou única até mesmo no contexto que a obra se desenvolve. “Selfie”, “Iniciação” e “Rolha” correspondem muito bem ao que Gaby havia feito na sua estreia: canções divertidas que se revelam indispensáveis na composição geral.

Algo parecido pode ser dito sobre “Arreda”, de longe a melhor música de todo álbum e também, a síntese perfeita do Tecnobrega em sua forma mais cativante possível. A surpresa positiva em ter Leona Vingativa e Viviane Batidão em uma faixa tão contemplativa assim só melhorou ainda mais todo aspecto desenvolvido entre a produção e a letra composta de altas doses de serotonina, cortesia das batidas únicas e, principalmente, da nostalgia. Na despedida, “Tchau” ainda consegue manter o ritmo graças aos vocais distorcidos de Jaloo contraposto aos de Gaby, uma combinação que deu muito certo, ainda mais pelo brega meloso realçado pela letra: “Por que é que eu gosto de você? / Por que dependo tanto de você? / Por que que eu deixo você me calar? / Se aproveitar de mim pra me enganar”.

Em Purakê, Gaby Amarantos mostrou que consegue se desenvolver muito bem dentro de um estilo e transformar toda estrutura e rumos previsíveis que cercam ele. Se no começo da década passada ela revolucionou a música pop brasileira — sem nenhum exagero —, agora, ela se prepara para fazer o mesmo: “A nossa música é a música do futuro. Nós, da Amazônia, estamos pensando no futuro e propondo coisas novas”, afirma a cantora em entrevista para o Estado de Minas, após conseguir mesclar futuro, passado e presente em uma obra viva e de extrema importância para a cena nacional.

Selo: Deck
Formato: LP
Gênero: Pop / Pós-MPB
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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