Crítica | star-crossed


★★★☆☆
3/5

O amor, vira e mexe, é representado de diferentes formas na música e isso, obviamente, acaba rendendo ótimas perspectivas, mesmo que nem sempre a experiência do artista seja tão positiva quanto possamos imaginar. De um começo inebriante cheio de paixão, até um fatídico término que deixa feridas, nenhum sentimento está isento em ser representado na forma de canções. Nesse sentido, fica fácil compreender a mensagem e o efeito causado por essas emoções em discos que geralmente levantam essas questões. Vulnicura, de Björk, por exemplo, é a mais intrínseca obra sobre o término de um relacionamento, principalmente porque anos antes, em Vespertine, a artista havia mostrado um outro lado do seu amor quase momentâneo que sofreu impactos bruscos ao longo do tempo. Em star-crossed, Kacey Musgraves tenta fazer algo parecido, ela então coloca sua experiência de pós-término na mesa e nos mostra o quão devastada ficou pela contrapartida de um amor límpido e fabuloso, perfeitamente representado anteriormente em Golden Hour.

O rebuliço na vida da artista parece ter sido tão grande que, embora ainda sintetize muito do seu passado, ela parte rumo à outra abordagem tanto sonora como lírica, dessa vez, mergulhada em elementos da música pop, partindo de uma produção previsível e composições simplórias, o que claro, deu muito certo em alguns momentos, como também deu muito errado em outros. Se distanciar do country tradicional foi uma ótima escolha no projeto anterior, que inclusive a fez alcançar um nível inédito em sua carreira até então — vencer o Grammy de Álbum do Ano em 2019, o que só elevou ainda mais o nível de seu reconhecimento. Contudo, a distância cada vez maior das suas raízes acabou, querendo ou não, tirando uma das características que mais fazem o trabalho de Kacey ser um verdadeiro diferencial, e é exatamente isso que acontece em star-crossed.

A nova fórmula usada em seu novo álbum, apesar de discordante, parece ter dado certo, principalmente depois de ter colocado 14 das 15 faixas no principal chart do Spotify nos Estados Unidos, um feito inédito alcançado por ela. Isso mostra que dialogar com um grande número de pessoas em um disco como tal, é algo que verdadeiramente chama atenção, ainda mais se formos considerar todo o processo de evolução artística e como o nome por trás dessa obra ganhou os holofotes. Entretanto, uma outra coisa também chama atenção — e não é algo tão positivo assim: Kacey, em star-crossed parece realmente ter feito tudo meticulosamente pensado, algo que fica bem evidente com o filme lançado na Paramount+. Mas e se ela não tivesse passado por essa experiência terrível decorrente do término? Qual seria o rumo do seu então quarto álbum?

Ao se perguntar isso, notamos, de maneira totalmente hipotética, que a artista parece ter corrido contra o tempo para entregar o álbum no timing certo e isso, denota negativamente com ausência de um forte tom que exprima os seus sentimentos como nos antigos trabalhos. Aqui, ela quase nunca se aprofunda no indivíduo causador de suas dores, somente de maneira superficial atribui algo a ele. Isso acaba tornando a narrativa muito indireta dada o contexto da obra, pois quem der o play no álbum esperando um descarrego emocional cheio dos sinais de negação, culpa e vingança, acaba recebendo frases prontas e muitas alusões que às vezes, soam bobas. Sabemos que potencial e talento não faltam na figura de Musgraves, mas, nesse disco, a amostra de seus dons é quase figurativa e, por vezes, especulativa.

“Cherry Blossom” e “Simple Times” trazem boas recordações do que ela já havia experimentado em Golden Hour, a mistura perfeita do country com o pop melódico e, às vezes, psicodélico. Por outro lado, em “Good Wife”, ela falha de maneira tenebrosa ao tentar fazer o mesmo. A faixa simplesmente não funciona, seja pela letra que antecede o grande desastre do divórcio, ou pela produção que se desvincula das outras. Nessa altura, a abertura “Star-crossed” parece justa e adequada demais se for comparada com os momentos seguintes, em que a voz e as melodias parecem ser elementos tão distantes uns dos outros. E como um descarrilamento, o álbum a partir da metade sofre uma queda profunda na qualidade, nesse momento, “Angel” se destaca de vez como a pior música entre as 15, a letra: “If I was an angel, I wouldn’t get so mad / It’d be easy to be grateful for everything I have”, reforça ainda mais esse ponto.

Kacey quer soar acessível o tempo todo, mas para um disco cuja proposta é relatar o término de um relacionamento, tudo aqui flui de forma enfadonha e, na maioria das vezes, densa demais. Ela não consegue prender a atenção do ouvinte como quando canta sobre o lado positivo do seu amor, e boa parte disso deve-se ao fato da mesma apresentar cansaço e desmotivação, sendo algo bastante compreensível diante das questões pessoais dela, mas, por outro lado, são justamente essas coisas que acabam tornando empolgante a maioria dos álbuns desse mesmo tipo. Claro, se esses elementos forem trabalhados de forma assertiva, algo que, infelizmente, não acontece em star-crossed.

Selo: Interscope, MCA Nashville
Formato: LP
Gênero: Pop / Country Pop
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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