Crítica | Savage


★★★★☆
4/5

Desde que foi fundada em 1995, a SM Entertainment sempre se destacou como a principal empresa na indústria musical sul-coreana. Prova disso são algumas das milhares de realizações que a colocam como grande responsável por tornar o k-pop o que ele é hoje: um fenômeno global. O sucesso no agenciamento de artistas fez com que a companhia ganhasse uma posição decisiva nos rumos tomados pelo mercado de entretenimento asiático. E mesmo com momentos tensos dos quais colocaram em xeque o seu domínio — como a crise diplomática entre a Coreia do Sul e China —, a SM conseguia se sobressair a todos, pois a sua fórmula mágica para criar nomes de prodígio sempre esteve ligada a apenas uma coisa que pode ser considerada inviolável: a inovação. E isso é exatamente o que faz o aespa ser um verdadeiro acontecimento em 2021.

Todas as vezes ou, pelo menos, quase todas que um artista ou um grupo da SM debutou, alguma mudança significativa aconteceu no k-pop. Os exemplos são muitos, como a BoA furando a bolha e tornando o gênero popular antes mesmo de qualquer outro ato; o TVXQ! resultando na criação de units e sub-units; o SNSD criando os Photocards, o SHINee e o avanço sem igual de eras que remodelaram os grupos masculinos; o EXO e a revolução provocada a partir da dinâmica de consumo na era digital; o Red Velvet e o investimento em conceitos mais desenvolvidos; o f(x) e a abordagem experimental que rompeu com o tradicional e por aí vai. Tudo isso aconteceu em gerações passadas, então agora, toda expectativa sobre qual a próxima marca decisiva da empresa e seus artistas na indústria, acabam caindo nas costas do aespa.

A excitação do público e, principalmente, de todo mercado parece ser favorável a proposta que as meninas manifestaram na sua estreia oficial em 2020 com a canção “Black Mamba”. Quebrando recordes e desbancando nomes gigantes como BTS, BLACKPINK e TWICE, o aespa vem fazendo história. E para quem um dia duvidou do potencial do grupo por ser um ato da quarta geração, Karina, Giselle, Winter e Ningning se mostram prontas para definir e redefinir os rumos da indústria nesse momento. Savage, o primeiro disco lançado por elas, chegou como um meteoro: causando impacto e mudanças que prometem repercutir ao longo dessa temporada, assim como fizeram ano passado. Apresentando um conceito futurista e, por vezes, apocalíptico, a abordagem estética e visual presente nos trabalhos do quarteto repercutem muito de tecnologia aos moldes da inteligência artificial, algo que pode ser notado no avatar desenvolvido para acompanhar as garotas em seus lançamentos — o que de início causou estranheza, mas já pode ser visto como uma nova tendência. Em comunicado, a SM descreveu esse conceito na seguinte frase: “Elas irão mostrar atividades dramáticas e coloridas baseadas nas visões do mundo, encontrando uma nova versão delas mesmas, avatar, e experimentar um novo mundo”. Essa ideia acaba fazendo ainda mais sentido se explorarmos o nome “aespa”, sendo a união de “avatar x experience” e “aspect”.

De início, toda essa proposta levantada pode soar confusa — assim como são os conceitos explorados pelos mais diversos artistas do k-pop quando não se tem um conhecimento prévio da ideia pretendida por eles. Por esse motivo, o primeiro mini-álbum do aespa surge com a funcionalidade de catalisar a essência delas e apresentá-las ao mundo. Isso fica evidente em “aenergy”, música de abertura, onde a letra soa como um roteiro pronto para definir as posições de cada uma na jornada desbravada ao longo do disco. Em seguida, “Savage”, a faixa título, ressoa como uma demonstração excepcional dos poderes alçados por elas, que se unem para derrotar a figura antagônica no universo criado pelo grupo desde a estreia, como pode ser observado no trecho:

Está vendo? Eu sou um pouco selvagem
Eu bloqueio seu poder de se recuperar
Eu distraio você, te deixo para trás
Não esqueça que aqui é a selva
Eu controlo seu tempo e espaço
Faça isso, quebre isso
Eu sou uma selvagem

Além da agressividade com que a composição é baseada, os sons e melodias dos quais mesclam influências do hip-hop ao hyperpop, tornam-se os principais elementos da música, que por sua vez, é totalmente imprevisível e marcada por arranjos e distorções surpreendentes. Esse mesmo aspecto se estende por “I’ll Make You Cry”, canção reforçada com sintetizadores agressivos que de cara remetem ao EDM onipresente do 2NE1, sendo quase impossível não traçar esse paralelo. Já em “YEPPI YEPPI”, a atmosfera divertida e borbulhante nos conduz para algo que se encaixaria perfeitamente dentro da discografia do Red Velvet e, até mesmo, do LOONA.

“ICONIC”, por sua vez, serve para reforçar os pontos mais interessantes na produção e no desenvolvimento narrativo do disco. Aqui, elas assumem a postura de verdadeiras divas guerreiras e fodidamente icônicas. Por fim, tudo que poderia ser dito sobre os vocais lindamente empregues nas outras faixas, pode ser resumido em “자각몽 Lucid Dream”, canção com créditos de Hayley Kiyoko na composição, que apesar de diminuir o ritmo e encerrar o projeto de forma calma, ainda assim soa dentro do contexto de distorções — uma ótima maneira de colocar fim ao que foi apresentado desde o início.

E se antes havia dúvidas de quais os rumos seriam tomados pelo aespa em seu disco de estreia, Savage além de ser a resposta, é também um firmamento. Enquanto vemos por aí muitas tentativas de mesclar influências eletrônicas — como o hyperpop — por parte dos grupos da quarta geração, poucos conseguiram de fato atingir um resultado tão satisfatório como elas, sendo possível contar nos dedos as vezes que algum ato debutou dessa mesma forma, trazendo experimentação e ocupando o topo das principais paradas musicais da Coreia e se estendendo pelo mundo. Essa é a introdução de uma nova direção na música pop sul-coreana. E se a adesão vai ser grande ou não, isso fica por conta de quem está na arquibancada assistindo ao show de elevação e refrescância que vem sendo realizado pelo aespa, que também pode ser conhecido como o futuro do K-pop.

Selo: SM
Formato: EP
Gênero: Música do Leste e Sudeste Asiático / K-pop
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

Postagem Anterior Próxima Postagem