Crítica | MOTOMAMI


★★★★★
5/5

É possível contar nos dedos os artistas que se propuseram a percorrer o mesmo caminho que ROSALÍA. Apesar de muitas vezes apresentar uma coisa que não condiz com o seu perfil de europeu privilegiado, ela ainda assim sempre buscou entregar algo extremamente interessante e ousado do ponto de vista artístico. Seu álbum El Mal Querer é a prova viva do quão disposta ela esteve a quebrar as barreiras culturais impostas a artistas de língua não inglesa. Além desse fato, podemos enxergar em sua arte, uma direção vanguardista muitas vezes sem sentido, o que, agora, se faz por completo em MOTOMAMI.

Desajustado é uma palavra que define muito bem essa obra. Mas, se engana quem pensa que isso é negativo, visto que, muito pelo contrário, parte da proposta da artista atravessar por um caminho cheio de altos e baixos. Evocando suas raízes, ROSALÍA, entre planos do humor e do amor, trabalha, com perspectivas próprias, alguns temas que ganham vida ao longo de 16 peças musicais desenvolvidas e orquestradas com o que há de melhor na sua percepção artística e de seus convidados: James Blake, Pharrell Williams, Díaz-Reixa e El Guincho, sendo esse último um dos grandes responsáveis por ajudá-la a idealizar seu trabalho de conclusão de curso, o álbum El Mal Querer, de 2017.

De início, o repertório apresentado em MOTOMAMI é um dos mais densos e diferenciados dos últimos anos. Sem nenhum exagero, ROSALÍA dá a impressão de costurar em um só disco, uma longa e diversificada carga de influências musicais que sofrem variações de acordo com que ela aborda em cada faixa. “SAOKO”, por exemplo, toda a confusão estilística, sonora, linguística e cultural é condensada em um ritmo que dita as regras seguidas por grande parte do álbum. A faixa que serviu para apresentar a proposta desse projeto, acaba soando como um grande catalisador de ideias sobrepostas à narrativa principal. Além disso, é impossível não se ver contagiado com o “Chica, ¿qué dices? / Saoco, papi, saoco”. Do outro lado, se distanciando do tom divertido e acessível que também fora trazido por ela em “CHICKEN TERIYAKI”, ROSALÍA parte para o sentimentalismo abstrato. “HENTAI”, surge como uma referência ao estilo de animação japonês tomado por histórias adultas, ao ouvirmos, temos certeza de que a canção se trata disso. “Yo la batí / Hasta que se montó / Lo segundo es chingarte / Lo primero es Dios”, canta ela, embargada pelo tesão e por vocais lindamente construídos.

E mesmo que não pareça, o principal elemento usado por ROSALÍA aqui é a sua voz. Ela se arrisca a todo momento. “CANDY”, é uma amostra perfeita disso. Ao passo que o órgão se transforma em reggaeton, os seus vocais parecem acompanhar o encadeamento das melodias, então, antes do fim, temos um aperitivo saboroso da técnica vocal usada por ela. “LA FAMA”, em parceria com The Weeknd, que foi apresentada previamente, até aparenta ganhar força, já que anteriormente, essa faixa era a mais fraca entre todas lançadas. “G3 N15”, usa do glitch ao modo de ser uma excelente introdução e dispensa classificações, a música ergue-se como uma broca de martelete usada para perfurar a alma de quem ouve. “CUUUUuuuuuute”, por sua vez, assemelha ter sido gravada no barracão de alguma bateria de escola de samba. Já “COMO UN G”, parte da mesma estrutura que “HENTAI”: são vocais cheios de emoção e uma progressão de ritmo que termina de forma apoteótica.

No restante do álbum, camadas robustas e melodias estridentes acabam dando muito sentido para as experimentações feitas do início ao fim. Quanto ao lirismo, ROSALÍA se encontra encantada com o que o dinheiro pode oferecer. Em quase todas as composições, podemos notar o desejo dela em expor sua admiração pelo luxo, seja pelo fato de querer viver bem, ou pelo prazer em sustentar sua clara obsessão a alta-costura, coisa que pode ser vista na faixa “LA COMBI VERSACE”.

Por fim, MOTOMAMI pode não ter o mesmo requinte que El Mal Querer, mas, por sorte, ambos os álbuns possuem um elemento em comum: a sua benfeitora ROSALÍA, uma das artistas com maior potencial de mudança e impacto no mainstream. Ao partir rumo a um trabalho estranho, desajustado e puramente fora do normal, ela, assim como ninguém, dá a entender que só importa apenas com a sua inestimável presença artística. Isso é algo compreensível, visto que não são todos os dias que temos uma mente brilhante igual a dela fazendo e nos proporcionando músicas como as que vemos neste álbum.

Selo: Columbia
Formato: LP
Gênero: Pop / Art Pop
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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