Crítica | Wi-Fi da Floresta



★★★★☆
4/5

Não é preciso muito esforço para visualizar e compreender com clareza o que rege a música pop brasileira hoje. O grande apelo comercial, fortemente ligado à dinâmica de consumo capitalista intensificada pelas plataformas digitais, sufocou e está sufocando diversas manifestações musicais regionais. Mesmo que nomes como Marina Sena e Pabllo Vittar lutem para manter vivas algumas características puramente brasileiras — ou abrasileiradas — dessa união de sons ligados a algoritmos, o esforço nem sempre é reconhecido. Há, portanto, um certo apagamento cultural que, através das mudanças demográficas no consumo musical, acaba por impedir a prosperidade de novos nomes, especialmente aqueles comprometidos com a combustão de sonoridades que formam a música brasileira em suas raízes.

Wi-Fi da Floresta, de Cronixta, pretende revelar ao mundo como a união de fatores regionais ou suprarregionais — ou seja, a regionalização musical dentro ou fora do Brasil — consegue estabelecer novos vínculos culturais com uma nova exploração da música brasileira. Para isso, o artista utiliza referências musicais postadas em países caribenhos que, ao tocarem em solo brasileiro, se condensam aos múltiplos afetos musicais de Belém, do Pará, terra que não só emprega o regionalismo da obra, mas também condiciona grande parte do sentido buscado pelo artista em sua pesquisa de campo que inclui elementos latinos, amazônicos e nortistas.

Enquanto vários cantores buscam misturar a música brasileira com sons oriundos da América do Norte ou da Europa, Cronixta opta pela América Central. Mas, longe de ficar dependente disso, ele sempre nos lembra que Wi-Fi da Floresta é, puramente, música brasileira. Não é à toa que parte de sua identidade visual foi inspirada nas obras de Hélio Oiticica, artista definidor da Tropicália. Desse caldeirão de ideias surgem músicas prontas para agitar o Carnaval, principalmente a manifestação que acontece no Norte e Nordeste do Brasil. É claro que muitas faixas aqui são facilmente identificáveis por essa aura festiva, resultado da condensação do carimbó com a lambada e o zouk, e talvez por isso o álbum soe ainda mais interessante. Além disso, Cronixta é um rapper, e suas composições acessíveis e melodicamente bem ajustadas, experienciadas por rimas e conjunções típicas do gênero, acabam funcionando sem esforço — é como se ele soubesse exatamente o que fazer com seu dinamismo artístico.

Wi-Fi da Floresta é a música brasileira em estado puro de mutação, sofrendo positivamente com a inserção de sons que tornam seu espectro ainda mais interessante. É uma obra que se enquadraria perfeitamente como produto hodierno daquilo que viria a ser o “novo no pop”. Infelizmente, ainda estamos longe de ver isso acontecer. A cada dia o “novo” é sufocado pela falsa impressão de novidade que certos nomes procuram trazer para o nosso cenário musical sem ao menos ter ideia dos danos que estão causando.

Selo: Dog Music Lab
Formato: LP
Gênero: Pós-MPB / Música Brasileira
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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