Crítica | Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua


★★★★★
5/5

O que falar de Ana Frango Elétrico? Um ato da música brasileira que surpreendeu a todos com seu segundo álbum de estúdio, Little Electric Chicken Heart, notado pelos brasileiros e mundo afora, em maior parte, devido ao crítico estadunidense Anthony Fantano ter dado um grande destaque ao disco, fazendo com que este chegasse a aparecer em seus destaques gerais e do ano.

O LP cativava pela sua eclética lambança de gêneros da música brasileira que tiveram seu auge há algumas décadas, usando do anacronismo para criar algo totalmente singular e impossível de se replicar sem Ana por perto. As músicas tinham uma performance apaixonadíssima — contudo, sinuosa pela voz leve como papel da cantora — enquanto seus instrumentais combinavam apenas o que tinha de melhor naqueles gêneros, sempre no jeito mais imaginativo possível.

Só que Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua não é LECH, e nem quer ser. O estilo do álbum é totalmente diferente, apostando em um sophisti pop transmutado pelo funk (não o brasileiro) e com boogie, destoando e muito da dissonância ébria essencial de seu antepassado e assim criando algo mais sincero e contraditório por natureza. O motivo da contradição natural é óbvio assim que se entra no álbum, os instrumentais são sofisticados demais para a personalidade extravagante de Ana, assim como suas letras sobre não binarismo e amor queer.

O anacronismo ainda permanece aqui, e até intensificado. Ele se apresenta na forma de utilizar desses gêneros dos anos 80 como plataforma de representação de não binários na música e na sua forma de amar, mas tendo essa temática universalizada para toda a comunidade LGBT. Neste trabalho, Ana criou uma das formas mais magníficas de acolher e de impor presença de LGBTs na música brasileira, tanto pela forma sutil em que trata o conceito quanto por ser um projeto de altíssima qualidade para nos representar.

Adicionando ainda mais camadas ao disco, não basta ser proficiente em um conceito maravilhosamente executado aos mínimos detalhes, construir paisagens bucólicas com algumas das músicas mais lindas do ano ou orquestrar hinos dançantes… Ana faz tudo isso como se não fosse nada. Elu pega toda a história e percursos dos gêneros musicais que aborda, os faz passar por inúmeras reações químicas e recombinações genéticas até que o resultado final seja ideal ao que se propõe — mas a aparência não é monstruosa e sim comparável a um arcanjo. Leva muito esforço para tornar palatável um processo tão complexo, e ainda fazer tudo isso sem transparecer um pingo de desgaste.

A qualidade de cada uma das músicas é impecável — bem, ignorando "Debaixo Do Pano" talvez — e isso só clarifica o quão dadivoso e gigante esse projeto pode ser tanto para o sophisti pop quanto para o boogie, mas principalmente para a pós-MPB. Essa época atual da música popular do Brasil deve e muito ao trabalho de Ana como reconciliadora de suas estéticas anteriores, correndo quilômetros e quilômetros para chegar a um resultado conciso e imaculado — em mais pop perfection que os projetos que recebem essa alcunha —, para que então novos atos do Brasil consigam se soltar e se apoiar no sucesso tremendo que Ana faz e, assim, andar despreocupadamente nas bordas do popular brasileiro, experimentando, prosperando e vislumbrando o horizonte infindável do potencial da cultura do Brasil.

Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua é importante para o futuro da música brasileira e é difícil de contradizer a grande contribuição para o cenário alternativo e da música pop que Ana Frango Elétrico está fazendo. Que elu continue assim e que mais clássicos venham, não só dela mas de todos que ela influenciará.

Selo: Risco
Formato: LP
Gênero: Pós-MPB / Pop
Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

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