★★★☆☆
3/5
3/5
Uma nova leva de artistas atingindo picos de popularidade no trap tem surgido recentemente. Seja Ryu, The Runner com seu carisma e humor inabalável, Leviano com sua voz ríspida, ou Xamuel com sua prepotência; todos andam exportando o trap para o público geral com perspectivas ora originais ora surradas no cenário pós-Mainstreet e pós-Máquina do Tempo. Contudo, talvez nenhum deles representa tamanho simbolismo quanto tchelo rodrigues.
O que ele faz não tem relação apenas com a sua própria música, mas tem, principalmente, uma conexão inflexível com os ouvintes dela, com as gerações atuais de pessoas pretas e a futura geração de rappers. Em tchelo é notável a falta de interesse em apenas trabalhar em um autocrescimento individualista, o que mais se encontra presente em seu caráter é, na verdade, uma grande emancipação de uma cena estagnada e industrializada ao extremo — ou seja, uma luta contra o adestramento voraz de uma cultura originada das margens.
A estratégia utilizada pelo rapper é a de uma fusão: um lirismo de elucidação que se entrega de braços abertos aos adlibs viciantes e flows chicletes do trap. Isso não é uma novidade na cena brasileira, muito pelo contrário, o pai do gênero continuamente apostava em músicas direcionadas ao pensamento crítico (inclusive sobre a indústria), mas o teor maturo de tchelo é o de já ter ciência sobre como balancear perfeitamente sua mensagem com um som que é tão sujo quanto é popular.
Os beats de retroboy — embora já repetitivos por sua presença forte em outros trabalhos — encaixam tchelo no contexto popular que pretende atingir ao passo que exprimem uma unicidade aos flows e esquemas de rima proficientes de sua dupla. Uma música que vem imediatamente à mente para exemplificar essa dualidade magistral é “E É ASSIM QUE SE FAZ TRAP”, um guia de como se suceder no gênero escrito com maestria sobre um instrumental complexo em sua simplicidade e pop em seu negrume.
No entanto, há ainda muito o que melhorar. Na própria faixa citada, dizer que há um jeito correto de se fazer arte é nada menos que reacionário e contraproducente. Em outras, o teor comercial toma conta por completo, levando a uma música sem personalidade e sem um direcionamento efetivo, mesmo que “tecnicamente bem feita”. Afinal, o que temos aqui é um embrião muito rústico de um artista com potencial de se tornar um ótimo liricista, mas que, por ora, não está com a mente focada para causar um impacto cultural de forma devida. Sua fórmula precisa de refino, ser reformulada ou descartada, mas continua sendo mais interessante que qualquer outra coisa popular no trap atualmente — e isso diz mais sobre o gênero que o artista.
Mesmo assim, é impossível minar a relevância cultural de tchelo no momento atual. Suas rimas e seu gênio do trap são há tempo necessárias no embate à carnificina do gênero, tal combate contra a alienação e a mercantilização padronizada que se insere dentro desse próprio esquema, propositalmente e quiçá acertadamente. No fim, EU TIVE UM SONHO é um disco que encontra sim vários percalços em sua trajetória e cai ainda, ingenuamente, em armadilhas que presumidamente vai contra, mas é, também, um que influenciará novos artistas com seus protótipos de ideias coletivamente emancipadoras. Talvez seja difícil parar dessa vez, mas só o tempo dirá.
Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Trap, Trap Psicodélico, Consciente