★★☆☆☆
2/5
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Esculpido a Machado é um dos discos mais bem recebidos e mais amados do rap desta década, e não é por falta de motivos. A forma como LEALL trabalhou para adaptar a sonoridade do drill britânico ao Brasil foi um evento incrível de se observar. E não contente em combinar, muito bem, o básico do estilo com a realidade da vivência preta brasileira, o rapper e seus produtores foram mestres em abordar os pequenos, ricos detalhes da sonoridade, inéditos na época. Assim sendo, tais detalhes — como a obscuridade presente na influência grime, a simplicidade realística dos instrumentais e a agressividade comedida, melancólica, das performances — estavam potencializados numa sinceridade e realismo impressionantes, revitalizantes e louváveis.
Foi então a partir desse ponto de sua carreira que o místico ao redor de LEALL foi fabricado. As qualidades inconfundíveis de uma obra-prima do trap brasileiro, a sua imagem como um liricista em ascensão, o seu estilo próprio de fazer drill; eram todas peças fundamentais de sua persona artística, quisesse o rapper ou não. Então, só faria sentido imaginar que as nuâncias trazidas em seu primeiro disco continuariam (ou até se intensificariam) no seu novo trabalho, mas, lamentavelmente, temo dizer que não foi o caso.
Logo de cara, o que mais se destaca nesse trabalho é a mudança brutal do nível de complexidade e processamento das faixas, agora repletas de camadas diligentes, efeitos psicodélicos e masterizações e mixagens profissionais. Em vários casos, isso significa uma melhora exponencial na qualidade das músicas de um artista, mas, claramente, isso não funcionou aqui. Os pequenos detalhes deixados pela simplicidade dos beats sumiram. Foi-se embora, também, a lógica inédita de samplear, antes usada pelos produtores, presente em seu trabalho anterior. Desvaneceu-se, inclusive, a crueza ímpar e a morbidez de dar calafrios do grime, fragilmente perceptível em meio a limpezas sonoras nada gratificantes. Mas então, o que sobrou? Bem, apenas um limpo, doméstico, drill britânico, tão pop quanto pouco brasileiro.
Além das novas produções, preocupadas mais em excelência que em personalidade, o rapper também deixa um pouco a desejar ao longo do álbum. O conceito de “apesar de tudo, ainda sinto o que há de sentir” não é mal executado, mas é mal aproveitado. Existem, sim, ótimas barras e acontecimentos instigantes, mas os momentos menos inspirados da carreira do artista se encontram em faixas como “Onde Que Nós Taria?” e “Besteiras”, pouco memoráveis, cansativas e despropositadas. Algumas outras, além dessas, falham em trabalhar com os conceitos estabelecidos pelo próprio artista e caem em clichês líricos e melódicos do trap carioca, algo indesejável até para seu maior inimigo.
É fácil de se perceber que o maior problema desse álbum é simples: pouco autorismo, muita lavagem. Por mais lírico e subliminar que LEALL fosse, ele nunca conseguiria brilhar numa produção que não traz ideia nova nenhuma e que aposta continuamente em timbres acessíveis e noturnos — é igual a qualquer outro álbum genérico do trap atual. Isso não quer dizer que não haja ótimas músicas aqui ou que esse disco esteja totalmente isento de carisma, até mesmo porque “Malefícios do Dinheiro” é uma das melhores do rapper. Contudo, não há necessidade de se enganar: esse álbum representa um grande retrocesso ao processo de ineditismo que ele representava, e isso era sua característica mais animadora.
Por fim, é evidente que é fácil gostar desse álbum, afinal, ele foi mercadologicamente feito sob medida para isso. Entretanto, gostaria de exercitar uma pergunta para ir além de gostar de uma música apenas porque ela soa bem: o que o LEALL faz para tornar esse disco seu? E, bem, é difícil encontrar porções suficientes dele mesmo em seu próprio disco para justificar qualquer tentativa de resposta.
Selo: Rock Danger
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Drill, Trap, Consciente