Uma entrevista com o produtor sobre sua visão artística acerca do funk, dentro e fora do Brasil, e um pouco sobre sua trajetória e seus planos para o futuro.
Produtor brasileiro, d.silvestre chamou atenção do público com seu jeito disruptivo de acrescentar novos sentidos ao funk. Em 2022, ao lado de MC DENADAI, ele lançou o disco Hyperfunk, que misturou beat bruxaria com deconstructed club numa ode ao hyperpop. O resultado mantém-se até hoje como sendo este o material base de uma experimentação cacofônica — no melhor sentido da palavra — que dinamizou o estabelecimento, nas formalidades que um espaço musical exige, de um estilo único e inovador.
Este ano, d.silvestre continuou descontente com os truísmos que por vezes são empreendidos no funk. Seu álbum ESPANTA GRINGO, lançado em julho, é seu destaque absoluto. Misturando novamente o funk com aspectos subjacentes da música eletrônica, o produtor cria uma combinação infalível de ruídos e batidas que formam uma base power-noise-industrial-hardcore-mandelão incrivelmente astuta, com peças que ultrapassam sete minutos de duração, como "Set Estragado 1.0”. Em seguida vem seu disco mais contido, Mizuno Mixtape, mas não menos importante — ele finalmente emprega sua visão do funk, e sem preocupação.
Hoje, d.silvestre nos conta um pouco de sua visão sobre o mapeamento do funk dentro e fora do Brasil, um pouco sobre sua trajetória e seus planos para o futuro. Confira:
Como você começou a produzir? O que te motivou?
d.silvestre: Eu comecei a produzir músicas com 14 anos com um violão e celular no Reaper. Sempre quis produzir e estar inserido em algum meio artístico, se não fosse a música eu teria ido pro campo visual com certeza. Talvez eu tivesse virado tatuador. Até hoje desenho como forma de passar o tempo. Com 16 comecei a frequentar bailes, e entendi que o que tocava nos bailes era muito mais Rock do que os rocks que eu estava fazendo no quarto, então decidi aposentar o violão e me afundar no FL STUDIO.
Produzir certamente lhe trouxe muita coisa, no sentido de encontrar talvez o seu verdadeiro dom. Gostaria de perguntar, então, se existe alguma coisa que você faria ou aprenderia a fazer se não fosse produtor?
d.silvestre: Cozinhar. Eu adoraria estudar de verdade sobre cozinha. Acredito que a culinária e a produção musical tem tudo a ver, tudo é uma questão de sabor, textura, apresentação, temperos… Um dia vou cursar gastronomia só pra poder cozinhar pros meus amigos. Porém, enquanto esse dia não chega, eu continuo sendo um desastre no fogão.
Quais artistas, músicas, discos, sets e etc., inspiraram você durante o lançamento de seus mais recentes materiais?
d.silvestre: Muitos. Eu escuto de tudo, ainda mais se for uma mulher com bom gosto me recomendando. Eu ando escutando muito trap no melody (trap sem melodia) e Fire Sessions Mixtape. Também muita música da época do Soundcloud Trap, essas músicas me passam um sentimento de vale tudo, eu consigo sentir o tesão que o artista estava pra criar aquilo. Também sinto isso em músicas da época da ditadura no Brasil. É difícil explicar, mas eu sinto. Minha inspiração depende do que eu tô sentindo no momento.
Entre seus trabalhos de 2023, qual deles te trouxe mais satisfação pessoal?
d.silvestre: Espanta Gringo pelo reconhecimento ou “Mata Rato do Casarão 1.0”, pois foi feita com meu parceiro Denadai e a gente tinha certeza que iria estourar. E realmente estourou…
Em 2023, seu trabalho musical variou em estética a cada lançamento, o que te motiva a sair da zona de conforto e experimentar tanto a cada novo projeto?
d.silvestre: Criar coisas que não foram criadas ainda… As pessoas pedem para que eu faça Hyperfunk 2 ou continuações de álbuns e músicas já lançadas, gente, eu não vou sentar na frente do computador e fazer algo que eu já fiz de novo. Eu quero criar coisas novas, tenho muita lenha pra queimar no gênero mais amplo e com toda liberdade do mundo, por que eu ficaria plagiando eu mesmo?
O funk tem tomado proporções inimagináveis no gosto da crítica internacional, apesar de muitos aqui sempre sinalizarem a importância e relevância vanguardista do gênero. Ante a isso, quais seus pensamentos sobre essa “valorização” externa do funk?
d.silvestre: Tem que valorizar, mas esses estrangeiros… tem que ser esperto, manter uma distância de um braço deles. Porque é eles valorizando a gente e elogiando, e amanhã eles pegam o gênero pra eles e mudam de nome. Não se pode esquecer que eles ainda são colonizadores. Não é porque estamos ouvindo o mesmo som que somos a mesma coisa. Basta ver o tanto de brasileiro usando o termo Brazilian Phonk, teve até um DJ que eu era muito fã usando esse termo pro seu álbum, e o álbum dele é o som de automotivo que ele fazia desde 2020. Isso é baixar a cabecinha e se fazer de coitado pra gringo dar atenção. Pelo menos é o que eu acho. Não respondo gringo folgado na DM, principalmente quando chegam falando em inglês.
Você foi um dos destaques em uma publicação do The FADER sobre uma introdução do baile funk. É um dos diversos reconhecimentos — merecidos — que você obteve ao longo do ano. Como foi esse momento?
d.silvestre: Muito incrível, fiquei muito feliz e mostrei pra todos meus amigos e meus pais kkkkkkkkkk. Sempre quis aparecer em revistas e sites, foi muito divertido ler sobre eu mesmo escrito por outra pessoa. Chapei horrores esse dia.
Na sua opinião, qual é a importância do eletrônico underground gringo (como o phonk, horrorcore…) para o funk brasileiro hoje? Acha que as comparações são válidas?
d.silvestre: Eu acho que eles têm que ouvir mais Funk. De verdade, acho que já começou um processo em que eles se inspiram e incorporam mais elementos vindos da gente do que nós com elementos deles… Hoje o funk tem uma base muito muito forte. Ou talvez eu seja apenas muito brasileiro.
Na sua visão, qual a principal diferença da cena do funk paulista para o restante do Brasil?
d.silvestre: Funk paulista vale tudo. O carioca também é assim. Vale tudo, tudo tá pra jogo, pode usar o timbre que quiser do jeito que você quiser. Nenhum outro gênero é tão livre quanto esse e com tanta mídia em cima.
Hoje em dia, devido aos meios digitais, é mais acessível tornar-se produtor musical. Você acredita que apesar disso ainda precisa ter um conhecimento técnico, ou o que importa é a vontade?
d.silvestre: Eu toco 4 instrumentos e estudei música quando mais novo, e digo que o que realmente importa é você ter ideias boas, vontade, e não ter orgulho de chamar alguém mais especializado que você em uma área pra te ajudar. Principalmente no funk, que a forma de produção é totalmente diferente de qualquer outro gênero. Basta você ser criativo e saber manusear o programa que você usa (pra fazer música).
Se você pudesse escolher, tem algum artista, MC, ou produtor hoje, no mundo inteiro, que você gostaria de fazer uma colaboração?
d.silvestre: RAFFA MOREIRA. Eu amo esse cara. Eu acho que é o único artista que eu desmontaria se visse na vida real. Papo de chorar e agradecer por ter escrito “Print na Briga”.
Poderia nos dizer, num horizonte próximo ou não, em que você anda pensando para o futuro?
d.silvestre: Eu sou do interior de Rondônia, então ir pra São Paulo é a minha meta — selva de concreto onde sonhos se realizam. Acho que finalmente vou conseguir atingir este objetivo. Espero fazer muitos shows, viajar, conhecer quem me acompanha e lançar um álbum político revolucionário. Chapo nessa ideia há um ano, apenas não tenho estrutura nem desenvoltura pra conseguir fazer. Mas vai acontecer pois Deus está comigo.
Tem algo que você gostaria de indicar para nossos leitores ouvirem, seja um disco, uma música ou qualquer coisa que você esteja viciado no momento?
d.silvestre: O pessoal vai zoar, mas eu estou completamente viciado no álbum ANTI, da Rihanna, e foda-se. Essa mina é MUITO foda. Eu me amarro muito em “Goodnight Gotham”.
Por: Matheus José e Tiago Araújo
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