Clássicos do Aquele Tuim | Gluee (2014)



★★★★☆
4/5

Na década passada, o SoundCloud foi palco de muitos artistas importantes para a cena do hip-hop. Isso se dá, principalmente, porque a possibilidade de qualquer um criar suas próprias músicas e lançar de forma independente era muito atrativa para qualquer artista iniciante. Não foi diferente no caso da Drain Gang, coletivo que marcou, e continua marcando, a mudança estética do hip-hop alternativo. Dentro desse coletivo, Bladee é um dos nomes mais chamativos e conhecidos. Sua mixtape de debut, Gluee, é essencial para entender como essa movimentação era radical para a criação de uma nova estética que encantaria tanto e criaria uma legião de fãs, os “drainers”.

É necessário, inicialmente, destacar que o tempo ideal para o lançamento dessa mixtape é a era da internet — não somente devido à facilidade maior de lançá-la em si, mas também porque o próprio uso lírico, instrumental, e principalmente a produção são indissociáveis da ideia de criação de música na internet. Ao ouvir o projeto, uma das primeiras coisas a perceber são os exageros que compõem todos os aspectos da obra, desde a produção às letras. Esse exagero é justo e completamente relacionado ao clima juvenil que o projeto também traz. Não é de hoje notar o quanto o cloud rap rejuvenesceu a estética do hip-hop num geral e em Gluee essa mudança se encontra justamente em seus aspectos estéticos.

O exagero do autotune, o clima etéreo, o diálogo direto com a juventude, a forma de linguagem das letras e principalmente a ruptura com o emo-rap e seus aspectos mais tristes, com letras mais positivas — mesmo com uma grande vulnerabilidade emocional — é capaz de transformar tudo em conforto. Quando Bladee abdica de letras mais sentimentais, é nessa hora que ele retorna aos momentos de ode à tecnologia, internet e faz todo esse rejuvenescimento da estética aparecer de novo. É o caso de “Ebay”, um dos pontos altos da mixtape, em que Bladee, Thaiboi Digital e Ecco2k (todos membros da Drain Gaing) falam sobre comprar produtos online que eles gostam — ou que talvez são coagidos a comprar pelas grandes empresas — ao som de um instrumental maravilhoso e super tecnológico. Poderia estar numa trilha sonora de um filme que se passa dentro de um computador.

Além disso, a forma de cantar que Bladee utilizou nesse e em vários de seus lançamentos iniciais é importante para compreender o que o distinguiu e ajudou nessa transformação do cloud rap. Muitos críticos já disseram (e ainda dizem) que Bladee canta mal. Isso não é segredo para ninguém, nem para ele mesmo. Ainda assim, a crítica é completamente insuficiente. Sua intenção nunca foi cantar bem e o abuso do autotune nas faixas não é nem de longe uma tentativa de minimizar isso — e muito menos de corrigir. O artista utiliza-se da forma estética na mesma medida e intenção que Kanye West utilizou quando lançou 808s & Heartbreak para intensificar suas palavras e intensificar um sentimento inerente de tristeza e angústia. O que, novamente, conversa muito com o paralelo e a ruptura que ele fez com o emo-rap característico do SoundCloud naquele período.

Por fim, vale considerar o quão maravilhoso é o aspecto de replay da mixtape. Sua produção hipnótica, os excelentes samples e a interpretação de Bladee fazem dessa uma das tapes mais divertidas que existe, aliados à sua importância e ao fator nostálgico de quem amava procurar os novos lançamentos de cloud rap na internet em 2014. Essas são marcas que tornam os 10 anos do lançamento de Gluee praticamente um evento.

Selo: YEAR0001
Formato: Mixtape
Gênero: Hip Hop / Cloud rap, Trap

Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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