Clássicos do Aquele Tuim | Da Lama Ao Caos (1994)



★★★★★
5/5

Em comemoração aos 30 anos do álbum Da Lama Ao Caos de Chico Science e Nação Zumbi, é impossível não mergulhar nas profundezas do movimento musical que o tornou um marco na história da música brasileira: o Manguebeat. Nascido nas margens dos mangues da cidade de Recife, em Pernambuco, o Manguebeat foi uma manifestação cultural que ultrapassou fronteiras e paradigmas. O movimento, enraizado nas tradições percussivas do maracatu e coco, uniu-se a uma profusão de influências, desde o rock até o hip-hop, funk e eletrônica.

No disco, os elementos distintivos do Manguebeat fluem harmoniosamente — os ritmos vivos em sua totalidade e percussivos entrelaçam-se com batidas, criando uma paisagem sonora inovadora e futurista que ecoa as tradições ancestrais e, ao mesmo tempo, aponta para o amanhã. Os versos, muitas vezes carregados de significado e poder, transcendem o mero entretenimento; eles não hesitam em abordar questões sociais, políticas e culturais, refletindo a complexa realidade do povo nordestino e lançando um olhar crítico sobre a sociedade brasileira na totalidade.

Em "Monólogo ao Pé do Ouvido (Vinheta) / Banditismo por uma questão de classe", canção que abre o álbum, ressoa como um manifesto social, uma crônica que mistura passado e presente em uma teia de luta e resistência — as batidas e guitarras acompanham a voz de Science, contando a história do subúrbio recifense, enquanto criticam a violência policial e a marginalização. Os versos “banditismo por questão de classe” que se repetem é constantemente a conclamação do resultado, tanto de maldade quanto de desigualdades sociais, enfatizando a questão de classe como um fator preponderante.

"Rios, Pontes E Overdrives" é um hino ao Manguebeat, exaltando a beleza e a diversidade da paisagem urbana e natural de Recife — os versos celebram a vida cotidiana, enquanto a lama simboliza tanto a fertilidade quanto a pobreza da região. Além disso, "A Cidade" e "Maracatu de Tiro Certeiro" oferecem visões (sombrias) da vida urbana, destacando as desigualdades sociais e a violência que permeiam as ruas — são narrativas sinceras de um ambiente marcado pela corrupção e pela luta diária pela sobrevivência; é um retrato urbano crítico — em que a cidade é um cenário de ambição e exploração, em que as classes sociais se confrontam. O uso de metáforas, como "urubu cevando a situação" em “Maracatu de Tiro Certeiro”, evoca a sensação de decadência e morte iminente; a atmosfera é de urgência e perigo, em que o calor do sol é comparado à frieza do gatilho de uma arma e que espelha a dura realidade de viver em um ambiente hostil, onde a violência é uma constante e a sobrevivência é incerta.

Por outro lado, "A Praieira" nos leva às areias das praias de Recife, trazendo a cultura praieira e a sensação de liberdade que ela proporciona, mesmo em meio as fronteiras impostas. Em contraste, "Samba Makossa" e "Risoflora" celebram a alegria e o amor, embalados por ritmos que convidam à dança e à contemplação. Por fim, em "Computadores Fazem Arte" e "Coco Dub (Afrociberdelia)", mergulhamos em reflexões sobre a relação entre tecnologia, arte e dinheiro, enquanto nos deixamos levar por paisagens sonoras abstratas — há uma exploração da dualidade entre ordem e caos, sugerindo uma imprevisibilidade de comportamento.

A comemoração dos 30 anos de Da Lama Ao Caos é uma ocasião para celebrar não apenas a genialidade de Chico Science e Nação Zumbi, mas também a vitalidade e relevância duradoura do movimento Manguebeat — este álbum não apenas encapsula a riqueza cultural e sonora do nordeste brasileiro, mas também serve como um testemunho da resistência e da expressão artística em face das adversidades sociais e políticas. Assim, este disco continua a inspirar e provocar, mantendo-se como uma obra que ecoa além do tempo e espaço.

Selo: Chaos
Formato: LP
Gênero: Manguebeat / Maracatu, Rap, Rock

Brinatti

Cientista Social com ênfase em Antropologia e Sociologia, 27 anos. É redator e repórter no Aquele Tuim, participando das curadorias de Funk e Pop.

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