Em comemoração ao dia 8 de março, nós selecionamos alguns excelentes discos de estreia que destacam o poder da mulher na música.
Hoje, 8 de março, é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Uma data que nos coloca diante de muitas oportunidades para refletir e pensar sobre a importância da figura da mulher na sociedade e, essencialmente, na arte. Pensando nisso, a redação do Aquele Tuim resolveu comentar alguns excelentes discos de estreia que esbanjam muito mais do que força e resiliência; são peças necessárias, em sua maioria, para compreender os meios básicos da música que hoje não seriam nada sem algumas das artistas aqui mencionadas. Confira:
1959
Little Girl Blue
Nina Simone
Com uma das vozes mais bonitas que o jazz já teve o prestígio de ter, o debut de Nina Simone pode não ser a sua melhor coletânea de faixas, mas demonstra explosivamente seu potencial como intérprete inigualável — e se nos dias atuais ele já é um feito impressionante, há 65 anos atrás era chocante em todos os aspectos. E, embora a cantora não tenha alcançado sucesso comercial logo nesse disco, faixas como “Don't Smoke in Bed” e “Plain Gold Ring” continuam provando o quão belas as interpretações de Nina conseguem ser. Todos os momentos de Little Girl Blue são cubículos estufados de emoção que entram, sem sombra de dúvidas, para as melhores gravações do catálogo impecável da cantora e, por consequência, para as de vocal jazz. Um disco essencial tanto para o jazz quanto para a história das mulheres na música. — Sophia
1969
Gal Costa
Gal Costa
Após o exílio dos principais nomes da tropicália, coube à Gal permanecer e lançar seu primeiro álbum sozinha. Cheio de identidade e com muitas referências a seus colegas — além de composições deles — a estreia de Gal Costa permanece um dos melhores e mais interessantes discos tropicalistas. Desde os arranjos (alguns nada convencionais) às modernizações de músicas já consideradas clássicas na época, e até mesmo versões consideradas definitivas de músicas contemporâneas à sua época, como “Baby” e “Não Identificado”, o álbum é um deleite do começo ao fim, atemporal. Não à toa foi a estreia mais impactante da época, responsável até mesmo pela decisão de Elis Regina de ceder ao tropicalismo, mas quem não se compadece perante a imortal voz de Gal? — Tiago Araújo
1970
Yoko Ono/Plastic Ono Band
Yoko Ono
O nome desse disco é frequentemente lembrado pelo lançamento de John Lennon, mas pouco se lembra (ou muito se esquece propositalmente), que o projeto Plastic Ono Band era uma banda imaginada por Yoko também. A estreia da artista, que já era consolidada dentro da arte avant-garde e experimental, é cheia de personalidade, com todas suas improvisações vocais — que viriam, injustamente, a ser consideradas como sendo de mau gosto — acompanhada pelo instrumental da Plastic Ono Band. Apesar da má fama, tudo aqui é de extremo bom gosto, tanto na experimentação e também na ampliação das possibilidades do que fazer com o rock. A aposta não é apenas na música experimental e no improviso do rock, pois na música AOS o instrumental é do quarteto de free jazz de Ornette Coleman, mostrando que as influências de Yoko não eram de forma alguma limitantes. Para quem gosta de música experimental, essa é, sem dúvidas, uma das grandes estreias femininas da música. — Tiago Araújo
1970
Parallelograms
Linda Perhacs
Parallelograms é um achado histórico. Para começar, é preciso dizer que este é o primeiro e último LP de Linda Perhacs, uma obra única até no sentido literal da palavra. Depois, devemos ressaltar o fato de o álbum ter sido remasterizado a partir de um pedaço de vinil inaudível em vários aspectos, ou seja, uma única prensagem que deu às gerações futuras a oportunidade de terem acesso ao material completo, que de alguma forma expõe mais do que suas convenções musicais. A obra também mostra como a música é capaz de resistir ao tempo; e o tempo também desempenha um papel crucial no desenvolvimento de tudo aquilo feito em cada pedaço de música neste registro meticuloso que marcou época. Incrivelmente pop, com melodias saltitantes de cordas folk, algumas canções aqui refletem não apenas os desejos de Perhacs como uma jovem daquele período, elas espelham toda aquela geração do final dos anos 60 e início dos anos 70 a partir de uma perspectiva feminina que canta seus amores e suas temidas considerações que parecem ter parado no tempo — em qualquer sentido possível. — Maqtheus
1981
Reggae Vibes
Love Joys
A importância do reggae para a resistência musical, étnica e racial é como poucas na música, e a dupla de primas Sonia e Claudette trazem uma face diferente para essa resistência. Apostando o foco nas canções, caracterizadas dentro do subgênero lovers rock, e menos na experimentação com dubs e programações eletrônicas, a dupla cria um dos discos mais doces e acessíveis do reggae, uma das grandes portas de entrada até hoje. Se engana quem pensa que só por ser um lovers rock esse disco não possua uma carga política, mesmo a mais simples das formas de falar sobre um relacionamento, ou apenas o invocar do nome de Jah, já era extremamente significativo nesse momento. — Tiago Araújo
1984
Diamond Life
Sade
Um dos maiores clássicos da história da música (e, com certeza, um dos melhores debuts de todos os tempos) não poderia ficar de fora desta lista. Sade nos proporciona um misto de sensações quando ouvimos Diamond Life, seja pela sua sonoridade cheia de glamour ou pelas suas letras de amor tanto positivas quanto negativas. A grande verdade é que mesmo sendo um álbum extremamente refinado e bem produzido, Sade já nos ganha pela sua voz angelical nos primeiros versos de cada canção. Ela simplesmente brinca de fazer jazz. — Davi Landim
1996
Spice
Spice Girls
Quando se fala em grandes álbuns pop, este é um dos primeiros que me vêm à mente, principalmente por suas músicas dançantes e divertidas, que encantaram muitos jovens da época e marcou o retorno do pop teen. O quinteto de cantoras britânicas, com personalidades e estilos únicos, rapidamente conquistaram o público. O álbum foi tão bem-sucedido globalmente que foi comparado à Beatlemania em sua versão feminina, e ainda explorou temas feministas, impactando mulheres jovens em todo o mundo. — Vit
1996
Tidal
Fiona Apple
Com apenas 17 anos, Fiona Apple decidiu compor algumas canções que posteriormente fizeram parte de seu álbum de estreia, quando ela tinha 18 anos. Mesmo sendo jovem, a artista demonstrou habilidade em criar poesias impactantes por meio de metáforas, abordando temas baseados em sua vida pessoal, como angústia e traumas. As canções ganharam mais intensidade graças à poderosa voz de Fiona, acompanhada por piano, elementos pop e um toque de jazz. O resultado disso tudo foi um trabalho cativante e extremamente coeso, podendo ser definido como um grande clássico musical dos anos 90. — Vit
1997
S.E.S
S.E.S
O primeiro grupo feminino de uma das maiores empresas de entretenimento da Coreia do Sul lançou, em 1997, o seu primeiro álbum da carreira. O autointitulado foi uma grande surpresa: com produções diferentes para o que era feito na época com as visíveis influências do hip hop e R&B americano. S.E.S deixou marcas na indústria fonográfica sul-coreana e o primeiro passo foi com “(‘Cause) I’m Your Girl”, o single de estreia. O álbum segurou o recorde de vendas de discos de estreias femininas por décadas e continua sendo relembrado pela sua autenticidade, seu poder e sua qualidade. — João Vitor
2003
Admirável Chip Novo
Pitty
O mundo era muito diferente 21 anos atrás, quando Pitty fez sua estreia com o arrebatador Admirável Chip Novo. Ainda assim, o material, repleto de reflexões pertinentes mais de duas décadas depois, segue sendo um dos álbuns mais atemporais e autênticos da carreira da artista. Hits como “Máscara” e “Equalize” seguem no imaginário de toda uma geração. Com apenas 26 anos de idade na época, Pitty já se portava de maneira bem objetiva, com quem já tinha certeza do legado que seria capaz no rock nacional. — Lucas Souza
2014
Encarnado
Juçara Marçal
Tão complexo quanto tudo feito em todos os projetos da artista, encarnado continua a ser o seu disco mais conhecido, icônico e completo. Cheio de referências à cultura afro-brasileira, tanto nas letras, mas também em todo o instrumental que percorre o disco. A performance vocal de Juçara costura toda essa complexidade e “sincretismo” com uma naturalidade inacreditável. O destaque instrumental fica na acidez dos instrumentos de cordas, em especial as guitarras e violinos, que rasgam os arranjos. É a quantidade de agressividade perfeita para a ambiguidade dessas letras que, com seu teor político, não se limita à mera descrição ou uma ação passiva, mas é carregada de raiva. Ao mesmo tempo, a simplicidade interpretativa de Juçara Marçal aparece mais uma vez, como se acalentasse o ouvinte em meio a essa dinâmica, nunca enfraquecendo o discurso, mas aproximando ele do teor divino, o que fica ainda mais claro ao misturar os cantos da umbanda com músicas politizadas. Se existe um ato de brasilidade completamente real e verdadeiro nos últimos 10 anos, esse é Encarnado de Juçara Marçal. — Tiago Araújo
2015
PRODUCT
SOPHIE
Hoje é possível falar muito sobre a importância de SOPHIE para a indústria musical do pop alternativo do final da década passada e início da atual. Entretanto, quando em 2013 ela começa a lançar os singles que viriam a compor a coletânea de estreia, PRODUCT, de 2015, pouco se imaginava o quanto aquela estética viria a inovar o campo da música pop. Apesar de toques cômicos e quase infantis, a música de SOPHIE é complexa, aposta em uma série de texturas novas e algumas apenas muito fora da curva para a época. Se olhar para trás e pensar como estava a situação radiofônica pop nessa época, não será difícil de relembrar uma das épocas mais horripilantes da música estadunidense. Mesmo assim, SOPHIE arrisca na estrutura desse segmento para reinventar todo um cenário, e deu certo! Do muito pouco que tivemos dela, já foi o suficiente para inventar muitos futuros, uma dessas pessoas que vêm e vão cedo demais. — Tiago Araújo
2016
Big Juicy
Ayesha Erotica
Em seu debut, a rapper e popstar Ayesha Erotica petrificou a sexualização extrema como um tema do rap feminino — assim como representou a intersecção do que viria a ser o hyperpop com o hip hop. Embora casos do tipo já estivessem acontecendo aos montes — com a óbvia menção a Nicki Minaj e até outras muito antes dela —, a primeira mulher que entrou inteiramente de corpo e alma nesse estilo foi a Ayesha, com letras disfemistas sobre sexo que se esforçam para explicitar e exagerar o já explícito e exagerado. E a melhor forma de confirmar seu impacto é pelo fato de que, até mesmo oito anos depois de seu lançamento, Big Juicy ainda recebe impressões mistas, precisamente por ser tão grotesco liricamente e, talvez mais ainda, por ser tão maximalista sonicamente. Porém, o projeto segue sendo a melhor exibição da sexualização pitoresca no rap, especialmente por combiná-la magistralmente com uma estética cibernética/biotecnológica fenomenal. Big Juicy previu com exatidão tanto o futuro do rap feminino quanto o futuro do pop eletrônico, e permanece até hoje sendo o melhor de ambos mundos. — Sophia
2016
Telefone
Noname
Em 2016, o rap lírico, focado numa mensagem densa e complexa, estava batido. Young Thug já era um nome conhecido no topo das paradas, assim como várias ondas do rap que rejeitava o lirismo “rico” já estavam presentes, como o chicago drill de Chief Keef, o emo rap da Drain Gang, o trap de SoundCloud de Playboi Carti e Lil Uzi Vert e o trap metal de Ski Mask The Slump God — todas excelentes. Então, como apresentar uma evolução estética, conceitual, sonora e lírica efetiva em algo já considerado ultrapassado pela juventude de vanguarda? Telefone tem as respostas para todas essas questões. Ao abusar de uma instrumentação caseira, quase fofa, Noname montou, dentro do rap e do R&B, universos totalmente inéditos, tendo como objetivo máximo o de vasculhar as entranhas da mente de uma mulher negra jovem até os mais mínimos detalhes e sensibilidades. As narrativas escritas em Telefone — sejam nas letras ou na produção nostálgica e sutilmente melancólica — têm um alto grau de conexões entre si e atingem níveis de sofisticação, sinceridade e beleza únicos para o rap. Assim, o disco, como nenhum outro, abriu as portas tanto para uma nova geração de rappers (especialmente femininas) compromissados com suas letras quanto para uma maneira fresca e entusiasmante de combinar R&B e hip hop. — Sophia
2017
Pajubá
Linn da Quebrada
O título, enraizado em expressões do iorubá (èdè Yorùbá) — grupo étnico da África Ocidental — não apenas celebra a herança africana, mas também encapsula a identidade queer que permeia toda a obra da artista. Para Linn da Quebrada, “Pajubá” vai além de ser apenas uma nomenclatura – é um ato de resistência, uma reinvenção da linguagem para dar voz às pessoas marginalizadas. No álbum, Linn usa da sua arte para dar espaço aos excluídos e, por meio de uma mistura de humor e crítica social, ela abre esse espaço para conversas que frequentemente são negligenciadas e suprimidas; o primeiro álbum da artista é um testemunho da resiliência da comunidade queer e um lembrete poderoso de que a arte pode ser uma ferramenta de emancipação. — Brinatti
2020
CORPO SEM JUÍZO
Jup do Bairro
Corpo Sem Juízo, EP de Jup do Bairro, emerge como um convite profundo à introspecção e à análise do poder e da liberdade intrínsecos à identidade e à expressão corporal de cada indivíduo. Com uma abordagem questionadora e dramática, este trabalho se revela coeso e potente, explorando as inúmeras possibilidades de existência e os caminhos para descobrir os próprios meios de viver. Além disso, se caracteriza como uma jornada íntima de autoconhecimento, em que Jup compartilha sua vivência enquanto mulher trans da periferia e desafia constantemente o seu lugar na sociedade. O EP possui uma narrativa vívida, carregada de emoção e verdade, convidando o ouvinte a mergulhar nas complexidades da experiência humana e a refletir sobre a vida e a identidade. — Brinatti
2020
THE ANGEL YOU DON'T KNOW
Amaarae
THE ANGEL YOU DON'T KNOW define a Amaarae enquanto artista, sendo ela um “anjo que nós não conhecemos”, como uma jóia valiosa, mas não popularmente reconhecida. Além disso, representa a sua ancestralidade e vivências enquanto uma americana concebida por imigrantes ganeses. Por ocupar seu espaço em ambos os territórios, a personalidade artística da cantora possui características proeminentes de ambos os países. Seu primeiro álbum dispõe de elementos sonoros tanto de Gana, os sons da percussão africana e estilos vocais do afrobeats, quanto dos Estados Unidos, fazendo utilização de moldes estruturais do R&B contemporâneo. E esse encontro de influências acabou gerando não apenas canções únicas e portentosas, como “FEEL A WAY” e “JUMPING SHIP”, mas principalmente uma ponte acessível para o seu público do exterior para o interior da África — continente este tão desvalorizado na indústria musical, que apenas usufrui de recursos muito seletos de sua cultura para a geração de lucro — e sua vasta gama de subgêneros musicais. — Bruno
2021
Índigo Borboleta Anil
Liniker
Depois dos excelentes “Remonta” e “Goela Abaixo”, do grupo Liniker e os Caramelows, Liniker anunciou que embarcaria em carreira solo, o que levaria sua arte para novos direcionamentos. Nesse sentido, nasce Índigo Borboleta Anil, um álbum singelo, doce e que representa um resgate ancestral do melhor da música preta brasileira. Ao longo de 11 faixas e quase 50 minutos de duração, a cantora nos convida a uma viagem consistente e madura, que atravessa fragmentos de seu íntimo e também passa pelas influências que respingam em seu trabalho. Uma delas, inclusive, aparece em uma das faixas do projeto, Milton Nascimento, que se junta à cantora na emocionante “Lalange”, um dos destaques da obra. Índigo Borboleta Anil é, facilmente, um dos debuts mais certeiros da década até então. — Lucas Souza
2021
Olho de Vidro
Jadsa
Uma das melhores estreias dessa década, Olho de Vidro é um registro intenso sobre como Jadsa desenvolve sua arte diante de algumas das melhores influências musicais, principalmente dos nomes que compõem a tradicional MPB. — Maqtheus
2022
Hypnos
Ravyn Lenae
Com vocais sensuais, suaves e exuberantes, não há como negar o poder de Ravyn Lenae em causar boas sensações naqueles que ousam adentrar em seu espaço de introspecção, o qual, HYPNOS consegue representar muito bem. — Maqtheus
2022
Nymph
Shygirl
No seu álbum de estreia, Blane Muise, ou Shygirl, não se limita a temáticas que traduzam apenas um sentimento de liberdade e empoderamento feminino que, por sinal, é algo feito à beça por outras artistas. A diferença está, portanto, na maneira criativa com que ela trabalha essas questões, ora se baseando em sons eletrônicos e cheios ganchos experimentais, ora nos surpreendendo com uma sequência de faixas bem-produzidas e composições das quais conversam muito bem com a ideia principal da artista em mostrar a que veio. — Maqtheus
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