Clássicos do Aquele Tuim | Madvillainy (2004)


★★★★★
5/5

A dupla de rappers e produtores Madlib e MF DOOM se juntou em 2002 para trabalhar no que hoje é o Madvillainy. Ambos artistas não eram sequer novos na cena e nem eram desconhecidos entre si — Madlib era um fã de DOOM antes e já tinha demonstrado querer colaborar com ele sem ao menos se conhecerem, e DOOM escolheu colaborar com ele depois de ouvir um dos beats autorais que chamaram sua atenção.

Como toda arte é resultado indissociável das decisões de produção dela, é impossível não considerar essa relação que os artistas tinham entre si, pois a admiração mútua é necessária para fazer a união de uma dupla funcionar. A liberdade em que MF DOOM experimenta novos flows e formas de rimar ao longo do disco, além dos beats alucinógenos e experimentais de Madlib, são completamente incapazes de serem imaginadas caso ambos não dessem essa liberdade um ao outro de se colocar no projeto da forma como melhor entendessem, e com uma forte confiança.

Para além disso, o resultado estético e todas as experimentações fazem parte também dessas decisões conjuntas. O disco foi quase inteiramente feito utilizando apenas um toca-fitas, um toca discos e um sampler SP-303 — a esse ponto é quase conhecimento geral que o instrumental do álbum também foi feito quase inteiramente no Brasil, e ele conta com samples de músicas brasileiras. Uma decisão minimalista de como fazer um disco, ainda mais em uma época que samplear, de fita ou de vinil, não era nem de longe tão simples e efetivo quanto é hoje (e vale constar, todos os instrumentos foram sampleados, não só as melodias). A enorme quantidade de músicas que foram ouvidas e testadas para compor as músicas é impensável, se faz necessário mergulhar em cada uma delas, se doar em cada um dos testes e se algo der errado, não se apegar e sempre experimentar de novo.

É impossível imaginar essa noção de um Hip Hop mais experimental que surge a partir de uma nova abordagem de uso de samples sem passar por Madvillainy, e mesmo com todo esse peso e culto em torno do disco, sua intenção naquele momento nunca foi essa. Não somente porque ninguém faz clássicos imaginando que será um clássico, mas porque existe uma vontade legítima no disco de experimentar, uma irreverência clara. Não é um álbum que está tentando ser pop, ou pede para ser amado, apenas é o que é. MF DOOM faz questão de deixar seu humor muito à tona, de rimar de algumas coisas meramente aleatórias e, às vezes, até sair do tempo por vontade própria. E Madlib complementa muito bem nas escolhas de samples, existe um toque humorístico e quase trash em alguns deles.

Se hoje Madvillainy é considerado um clássico, não é por sua intelectualidade, ou grandes letras contemplativas, muito menos por samples convencionais e pop, que grudam na mente e marcaram uma geração por suas reproduções na rádio, mas sim por sua vontade de ir mais longe, de fazer o que eles tinham vontade de fazer, independente de qualquer coisa. Escutar o disco hoje é, ainda, uma viagem por causa disso; é perceber a vontade de fazer e de criar uma estética para além do que já era convencional, de experimentar tudo que era possível com o pouco que eles tinham no momento.

E mesmo 20 anos depois, Madvillainy é comumente considerado um dos discos mais importantes e essenciais para qualquer pessoa que está conhecendo o Hip Hop. Presente em todas as listas possíveis de “melhores discos da história” e com as médias gerais mais altas em qualquer site agregador de notas de público e/ou crítica — como Rate Your Music, ou albumoftheyear. E é um dos poucos casos que o hype em torno da obra não somente é válido, mas não consegue chegar nem perto de contemplar toda a grandiosidade da experiência de escutá-lo.

Selo: Stones Throw
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Hip Hop Experimental, Abstract Hip Hop
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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