Revisando Discografias: Céu


Ouvimos e analisamos a discografia de Céu, uma das vozes mais brilhantes da atual música brasileira.

Uma das vozes mais importantes da música brasileira atual, Céu concretizou muito dos anseios líricos e sonoros que a MPB havia dispersado enquanto ainda era o espaço demográfico mais interessante do Brasil. À sua maneira, a artista conquistou dezenas de fãs, lançou obras aclamadas pelo público e pela crítica — nacional e internacional — ao mesmo tempo em que amadureceu justamente de outros nomes que a tornaram uma das maiores inspirações ao longo da década de 2010, em que lançou obras máximas como como Caravana Sereia Bloom, Tropix e APKÁ. Atualmente, Céu se prepara para lançar seu próximo disco, Novela, que chega ao público no dia 26 de abril. O single que antecede o disco, “Gerando na Alta”, é citado em nosso Recap Mensal de Singles como um dos melhores lançados em 2024 (até o momento). Confira, portanto, nossa análise conjunta da discografia de Céu:




Céu
2006

★★★★☆

Há quem diga que os anos 2000 foram a última grande década da MPB como parte de um espaço mais comercial, tocando nas rádios. É fato que antes mesmo a música sertaneja e outros ritmos já ocupavam espaço, mas a MPB — dos Tribalistas, Adriana Calcanhoto, Ana Carolina, Maria Rita, Skank e, até, Marisa Monte — ainda resistia.

A internet estava se expandindo, o rádio, com o boom das commodities, era agora mais agro e pop do que nunca. Até o funk ganhou força junto com ritmos mais eletrônicos, enquanto o que tínhamos de MPB se limitava, mais uma vez, a nomes já consagrados e ainda em atividade, como Caetano Veloso, Rita Lee, Gal Costa, Gilberto Gil e Chico Buarque. Céu surge nesse contexto de transição demográfica/cultural na música brasileira.

E seu álbum autointitulado tinha tudo para reviver o gênero, exceto pelo fato de ser algo maior do que ser feito apenas com intenções delimitadas. Céu, de 2006, fez parte da ruptura, ainda bem. Nele, a nova artista, com vocais ainda muito calculados, misturou samba com jazz, reggae com trip hop e iniciou sua tradição pessoal de deambular pelo art pop no estilo brasileiro —que logo se ajustaria ao pós-MPB. — Matheus José




Vagarosa
2009

★★★★☆

Sequência da estreia de 2006, Vagarosa é o reflexo daquele álbum que todo artista tem quando busca ampliar sua visão de arte. Nele, a cantora mantém seu jeito de compor, sua voz doce e seu vocal calmo, como se caminhassem ao lado do som, que, desta vez, era mais refinado e cheio de detalhes.

Em vez de olhar apenas para a MPB, neste álbum Céu olha para a Jamaica como parte de suas referências. E o reggae, embora já estivesse presente antes, agora respira com mais tranquilidade. “Não acho que o disco seja uma mudança de direcionamento, mas ele é mais ousado. É uma faceta mais corajosa do primeiro”, disse ela ao G1 na época.

E de fato Céu tinha razão: Vagarosa funciona mais como uma expansão daquilo que ela já tinha feito anteriormente. Por isso, além de reafirmar seu espaço, a paulistana sabia que ainda precisava tentar algo novo no sentido de experimentar. Foi aqui, ao lado de Fernando Catatau e Rodrigo Campos na produção, que a artista lançou as bases para que, na década de 2010, se tornasse uma das maiores influências do período. — Matheus José




Caravana Sereia Bloom
2012

★★★★☆

Caravana Sereia Bloom é o grande protótipo das ideias mais incríveis que Céu desenvolveria ao longo da década de 2010. Soando quase como uma descontinuação dos seus trabalhos anteriores, pois segue caminhos diferentes daqueles, mas sem se desviar do percurso, ela inaugura um novo posicionamento temático e musical.

Se antes a artista cantava sobre aquela inocência que perpassa o amor, em Caravana Sereia Bloom são os desencontros, a saudade e a latência da paixão que a guiam para uma reconciliação com a MPB — no disco anterior, Vagarosa, ela olhava mais para a Jamaica como influência de maior peso — porém, trazendo perspectivas mais inusitadas.

Tanto que este trabalho foi classificado como um aceno à Tropicália e à Bossa Nova. Mas é, como as outras duas peças da artista, algo demasiado paradisíaco para caber em espaços ultrapassados. Foi a partir daqui, então, que Céu começou a germinar a semente do Tropix, de 2016. — Matheus José




Tropix
2016

★★★★★

Tropix, vencedor da categoria de música contemporânea do Grammy Latino, é o divisor de águas na carreira de Céu, representando uma virada de chave monumental. A artista, em entrevista para o portal mineiro Uai, desvenda a essência por trás do título e revela uma fusão entre a "tropicalidade brasileira com o vintage — e digital — píxel". Esse elo entre o futurismo e os elementos que remetem estilos e tendências do passado são revividos e valorizados aqui.

No disco se cria um clima sereno e pitoresco; em que o amor, às vezes, é descrito como abissal através de versos que evocam a entrega e a intimidade. Em outros momentos, os versos refletem uma declaração de firmeza e estabilidade emocional, que mesmo diante de um amor pixelado, há uma conexão digital que, embora fragmentada, mantém a intensidade do sentimento. Diante da narrativa, é inevitável não se debruçar pela embriaguez que acalenta em um momento de vulnerabilidade — e isso vai se construindo através da determinação, contemplação, nostalgia e profundidade que adentra toda a melancolia exposta.

O álbum é um convite sedutor para um mundo de melodias e versos, no qual Céu parece dançar entre notas musicais com uma habilidade incomparável. Sua capacidade de se encaixar perfeitamente nesse universo sonoro é evidente; a artista parece brincar com os limites que ela mesma impõe, explorando novos territórios enquanto mantém uma conexão intrínseca com seus trabalhos anteriores. Ao explorar os elementos da bossa nova e as influências da música eletrônica, Céu apresenta um som caracterizado por batidas hipnóticas e ainda preserva a essência melódica e rítmica daquilo que faz referência. Em meio a uma voz que emerge calma, Tropix flui de forma leve, fresca e aberta, sem tensão ou restrição em direção a um horizonte musical dinâmico sem grandes esforços. — Brinatti




APKÁ!
2019

★★★★☆

Céu esbanja elegância ao recriar a atmosfera refinada próxima ao que já havia feito em Tropix, mas aqui parece ampliar os elementos eletrônicos que sintetizam uma MPB moderna completamente alheia aos limites estilísticos.

Na abertura, “Off (Siri)”, Céu já deixa claro o que busca discutir ao longo do disco. A tecnologia, impressa no conceito digital que envolve o título de seu álbum anterior, também aparece aqui, porém, o analógico é mais intenso, com sintetizadores que se expandem a cada traço retilíneo de sua busca por uma colagem que dê novos rumos à paixão.

Faixas como “Nada Irreal” e “Fênix do Amor” exemplificam a intenção de Céu de reunir os resultados de sua exploração do digital — ou da própria digital de sua musicalidade —, gerando ganchos e melodias que entram e saem sem avisar, com sons cantados letras em passos lentos e uma descrição expositiva única. É uma intensidade descontrolada. — Matheus José




Acústico
2021

★★★☆☆

Um álbum acústico chamado Acústico. Parece simples, certo? E de fato é. Acompanhada de um violão e de sua voz, Céu reduz ainda mais a intensidade de suas já bastante simples faixas — na melhor das hipóteses — como forma de reformular muito do que havia feito em seus outros discos.

É uma ideia interessante e muito eficaz. Seria até algo inusitado se não fosse também algo comum visto de fora — o que um álbum acústico precisa ter para atrair o público? Essa pergunta, aliás, resume bem a obra, pois Céu não só soa atraente, mas também faz dessa intenção uma ampliação de sua forma de interpretar.

São interpretações que criam paisagens cativantes, como se a víssemos cantar ao vivo. Parte dessa impressão é dada pela técnica de momentos como “Vira Lata”, “Amor Pixelado”, “Minhas Bics” e “Varanda Suspensa”, algumas de suas músicas mais marcantes e que aqui soam incrivelmente diferentes e renovadas. — Matheus José




Um Gosto de Sol
2021

★★★☆☆

Durante a pandemia da COVID-19, fomos compelidos a uma jornada íntima de autoconexão, confrontando um momento que abalou o psicológico de muitos. Foi um período de autodescoberta e redescoberta. Dentro desse cenário desafiador, Céu ergueu um álbum, dedicando-se a ser a intérprete da trilha sonora que a acompanhou nessa jornada, entrelaçando-se às memórias construídas ao longo da vida através das canções.

A artista navega habilmente entre diferentes estilos e décadas. Além de ser uma magnífica intérprete de suas próprias composições, ela demonstra ser uma das maiores vozes de sua geração ao reinterpretar sucessos que vão desde o trio Beastie Boys até Morris Albert, de Milton Nascimento a Fiona Apple. As canções exalam um toque e uma delicadeza característicos da artista, e sua voz surge como a maior potência desse universo — ela nos oferece uma perspectiva diferente do que conhecíamos, um novo ponto de vista sobre a música que ecoa em nossas vidas.

O projeto em si marca uma mudança significativa para Céu em comparação com seus trabalhos anteriores — no sentido de que reformular uma música é um desafio monumental, mas ela conseguiu realizá-lo de uma forma surpreendentemente orgânica. — Brinatti
Aquele Tuim

experimente música.

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