Clássicos do Aquele Tuim | Faces (2014)


★★★★½

Há 10 anos, Mac Miller conquistava o mundo com seu rap: um castelo de cartas mental.

A forma como o status de Faces como um clássico e uma das melhores mixtapes de todos os tempos foi alcançado é um pouco estranho. O projeto não apresenta, necessariamente, nada novo nem representa um momento entusiasmante no rap. É uma habitual continuação da tradição do cloud rap, apenas com mais samples de jazz — algo que o rapper já tinha se tornado um especialista bem antes desse projeto. Ainda assim, mesmo sendo tão ordinária, a cotação aqui dada foi de quatro estrelas e meia e o amor do público pela tape permanece fervente. A explicação, na verdade, é bem simples: a naturalidade de Mac Miller o faz suceder em tudo que se propõe a testar.

Sabe, muito do que move o hip hop é o medo. Medo de não estar páreo aos outros MCs, medo de não ser forte o suficiente, medo de experimentar demais; pavor da morte. A solução, para muitos, é se encaixar em uma bolha confortável que te dá permissão para escrever as músicas mais literais que consegue sem sofrer retaliações — na verdade, talvez até consiga arrancar elogios de algumas pessoas por fazer o básico com um pouco mais de convicção. Entretanto, a solução para Mac, em sua mais pura forma, não é uma solução em si; é uma não problematização desse medo. O que move Faces é, em todo seu cerne, esse medo.

O rapper, alguns anos após o lançamento do disco, disse que não estava no planeta Terra quando o fez. A evasão do mundo, no entanto, é o exato oposto do que o disco prega. A palavra que mais resume seus temas é “mergulho”. Mac mergulha dentro de seus pensamentos de uma maneira quase maníaca, mas tristemente controlada. Ao iniciar o álbum, logo receberá um recibo riscado e opaco — contém uma lírica abstrata, críptica e altamente simbólica — das sinapses de Mac enquanto o escrevia; as mais funestas. Ao passar algum tempo no disco, irá atentar-se aos vislumbres de um menino trágico, fraco demais para ser gangster e talentoso demais para ficar calado. Vale notar que a máscara de rapper logo cairia em Swimming e em Circles, mas estes terão textos próprios posteriormente.

O mergulho, contudo, não se limita somente nos pensamentos de um jovem adulto confuso sobre sua identidade, seus arredores e o além-mundo; ele se manifesta também na produção mortuária e avassaladora do álbum. Influenciado por Madlib e contemporâneo aos gênios Tyler, The Creator e A$AP Rocky (e seus produtores) — Mac montou um agregado de beats impecáveis. Tanto na escolha de samples insólita quanto na manipulação descomedida dos mesmos, o clima que é criado bamboleia entre uma celebração de natureza morta (penso logo em “Therapy”) e um despertar após um pesadelo (e depois na impossível “Colors And Shapes”, uma de minhas músicas favoritas).

O tal do mergulho também infesta a longa duração do projeto, fazendo com que você se sinta cada vez mais sugado, pesado e imerso na experiência conforme as faixas vão passando como rápidos vultos do passado — remorsos de uma vida jamais vivida, da vida do depressivo Mac Miller. Até os momentos mais agitados e, teoricamente, animadores soam esquisitos. Pegue “Insomniak”, que até tem a aparição especial de Rick Ross — basicamente um hype man —, e veja o quanto um hit 2Chainziano contém a sonoridade de um cadáver estripado de um pombo, urbano e imundo. Você vai balançar a cabeça e tentar cantar junto? Talvez, mas vai ser bizarro.

Esse estrambólico, já cansativo mergulho, não para. O álbum não é tão depressivo assim; às vezes o artista consegue ser até petulante e ostentador, mas não parece correto. Parece, na realidade, que Mac mergulhou na sua mente. Sua voz martela na sua cabeça latejante de novo, de novo e de novo; ninguém aguenta mais os flows monótonos e a paleta cubista da produção. Até que a irônica “Grand Finale” finalmente acaba, e você enfim retorna à superfície. A facilidade de Miller em matar a própria identidade, o próprio ego, e em abraçar a fragilidade é perturbante. Mas, assim como o artista, ao terminar Faces você assimila como fazer as pazes com o vazio. É como um castelo de cartas, caso pondere demais sobre sua vulnerabilidade, a ansiedade pode o destruir. Caso o deixe como está, sereno, talvez a fragilidade não o assuste mais. Faces vai te deixar assustado, e nesse ponto, o mundo vai melhorar um pouquinho.

Selo: REMember, Warner
Formato: Mixtape
Gênero: Hip Hop / Jazz Rap, Abstrato, Cloud Rap
Sophi

Sophia, 18 anos, estudante e redatora no Aquele Tuim, em que faço parte das curadorias de Rap e Hip Hop e Experimental/Eletrônica e Funk.

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