Classificação AT | Dixieland


Explore o primeiro gênero de Jazz da história.

De onde o Dixieland surgiu?

Tentar designar um começo para o Dixieland é difícil, a data da sua popularização e seu auge é mais simples, está tudo bastante localizado entre os anos 10 e 20, mas um começo é praticamente impossível, ou haveria de ser completamente hiperbólico. Isso pois não há um “primeiro registro” e na maioria das vezes quando estamos falando de movimentos e cultura na história, nunca há, ou temos apenas como estimar através do primeiro que conhecemos.

No caso do Dixieland, o movimento urbano é com certeza o primeiro, nos bares e nas ruas de Nova Orleans, um lugar livre para o Jazz e muito icônico por sua presença na cidade. Não que não houvesse Jazz em nenhuma outra cidade dos Estados Unidos, mas em Nova Orleans as pessoas iam para tocar e ouvir Jazz, a expressão artística era extremamente presente, e esse símbolo de liberdade para esse gênero se mostra também no Dixieland.

A característica social do gênero em questão é indissociável da relação que os Estados Unidos criaram com a escravização de pessoas negras — mesmo o nome do gênero ser “Dixieland” já entrega isso — , visto que várias de suas características musicais são afro-diaspóricas. A junção de instrumentos e elementos da música dos brancos, com a ritmização e o uso de acordes, progressões e harmonias de fora do campo tradicional europeu são alguns dos elementos que cria esse movimento de “proto-jazz” em Nova Orleans, o que é também o mesmo para o Dixieland.

O gênero era composto por bandas (mas soavam completamente diferentes das Big Bands), de pessoas negras, brancas e, por vezes, multi-racializadas — sejam elas homens ou mulheres, apesar de mulheres ainda serem bastante incomuns na maior parte das bandas de gravação e muitas vezes compunham apenas a parte vocal nas músicas. O primeiro grupo a gravar e se popularizar na Dixieland, por meio do grupo Original Dixieland Jazz Band — responsáveis não somente pelas primeiras gravações de singles do gênero, mas por usar oficialmente a palavra “Jazz” pela primeira vez, tornando argumentável dizer que o Dixieland é o primeiro gênero de Jazz, e não “Jass”, da história.

Também foi através da ODJB que a primeira gravação de um disco de Jazz foi realizada na história, em 1917, além da primeira turnê para a Europa, em 1919. As portas estavam se abrindo para o novo gênero que estava nascendo, e que se tornaria cada vez mais popular nas décadas seguintes, sem dúvidas um dos grandes marcos culturais do século XX.

Fotografia da Original Dixieland Jazz Band nos anos 1910.

Como o Dixieland soa?

A resposta mais fácil para essa pergunta é dizer que soa como aquelas músicas de desenhos animados antigos, dos anos 30, especialmente. Contudo isso seria extremamente simplista, apesar de ser uma verdade, afinal, vários standards do Dixieland estão presentes nesses filmes — por exemplo “St. James Infirmary”, de Louis Armstrong em “Snow-White (1933)” dirigido por Dave Fleischer.

Provavelmente a presença desse estilo de música nos filmes de animação se dá pelo caráter animado, expressivo e mesmo jocoso do gênero em si. Ao misturar o Ragtime, Gospel e elementos musicais afro-diaspóricos, como as blue notes (que posteriormente viriam a ser parte essencial do gênero Blues), cria-se essa forma fantástica, completamente irreverente e animada que se denominou Dixieland.

Nas bandas de rua e de bares, os instrumentos comuns eram: trompete, clarinete, bateria e baixo. Por vezes o violão era um dos instrumentos presentes, após o início das gravações, outros instrumentos surgiram, como o banjo, tuba e piano, principalmente por serem mais fáceis de gravar nos aparelhos de gravação da época. O piano era raridade para as bandas de rua, por serem caros e complicados de se locomover de um lugar a outro. Alguns grupos possuíam vocalistas, que cantavam de forma improvisada, ou com letras previamente escritas, mas não havia regra.

Parece confuso e inacreditável pensar que isso tudo dava tão certo, não é? Mas o Jazz inteiro é formado disso, e como essa é a forma embrionária do Jazz, obviamente ela também possui esses elementos contraditórios entre a confusão e a assimilação, as perguntas e as respostas e obviamente, improvisação, que era uma característica já muito comum desde o “Jass”. Alguns músicos, como Louis Armstrong, com seu Hot Five e Hot Seven, gravavam suas músicas de improvisação, sem intenção de reproduzi-las novamente, mas para deixar aquele momento único registrado, ele sabia que nunca poderia ser refeito perfeitamente, mas que nós no futuro teríamos a chance de ouvir essa manifestação posteriormente.

Louis Armstrong and his Hot Five, fotografia de gravação, entre o fim dos anos 1920 e início dos anos 1930.

Comentário:

Dixieland é entender o Jazz nas suas bases mais primordiais, é aconchegante. Escutar essas bandas e ficar parado é impossível, cada standard é uma nova forma de visualizar música, os improvisos são geniais e a música é completamente atemporal. Isso basta. — Tiago Araujo

Indicações:


“Dixieland Jass Band One-Step / Livery Stable Blues”
Original Dixieland 'Jass' Band

Pode parecer besta dizer que deve-se começar a ouvir o gênero pelo primeiro single lançado, mas nesse caso não é. Todos os elementos já estão aqui presentes, e como dito anteriormente, você vai se sentir em casa ao escutar essa gravação histórica e, ao mesmo tempo, atemporal. Mesmo depois de 100 anos, ainda é como se estivéssemos lá com eles, ouvindo, dançando, verdadeiramente encantador.

Formato: Single
Ano: 1917




East St. Louis Toodle-O / Birmingham Breakdown
Duke Ellington and His Kentucky Club Orchestra

Duke Ellington é um dos grandes nomes do Jazz historicamente falando, e por isso é impossível deixar essa gravação fantástica de fora da lista de introduções. Não só o Dixieland fica muito explícito, mas os elementos seminais de Blues já estão aqui, mesmo sem a característica vocal e em uma música bastante feliz. Diferente do single indicado anteriormente, nesse há uma variação diferente de instrumentos utilizados, o que demonstra o que foi dito no texto sobre as diferentes formas de fazer o mesmo gênero.

Formato: Single
Ano: 1927




Birth of the Hot: The Classic "Red Hot Peppers" Sessions (1926–1927)
Jelly Roll Morton

A primeira de duas compilações aqui indicadas para o Dixieland. “Red Hot Peppers” foi a banda que Jelly Roll Morton, um dos primeiros (se não o primeiro), arranjador de Jazz. As gravações do Red Hot Peppers foram importantes não somente para a ampliação da possibilidade de diferentes improvisos e arranjos na Dixieland/no Jazz, mas também por terem sido lançamentos muito grandes dentro dos “race records” — nome utilizado na época para classificar gravações de gêneros, compositores e instrumentistas afro-americanos.

Formato: Coletânea 
Ano: 1995




The Complete Hot Five and Hot Seven Recordings
Louis Armstrong

Por fim, mas não menos importante, a compilação mais importante, e um dos documentos histórico-artísticos mais importantes do Jazz, as gravações de Louis Armstrong com sua Hot Five e Hot Seven. Você pode até assustar ao ver essas 6 horas de música e pensar que não vale a pena escutar tudo, e bem… você não precisa! Afinal de contas, é uma compilação, escute algumas músicas, saia e depois retorne, no seu ritmo, garanto que vai valer a pena e vai fazer você se apaixonar, seja pelos standards, ou pelas músicas menos conhecidas.

Formato: Coletânea
Ano: 2000
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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