Crítica | Armageddon

★★★☆☆
3/5

Durante os quase quatro anos de atividade, o grupo se destacou por apresentar um dos conceitos mais singulares e complexos dentro do k-pop, que se baseava, em suma, numa ligação das artistas entre o mundo real e o virtual, em que elas se conectam com as chamadas æs, seus avatares. Além do plano conceitual, elas construíram uma identidade musical que consistia em elementos de música eletrônica e hip hop, de maioria intensa e que soava consideravelmente diferente das obras de suas concorrentes no pop sul-coreano.

Apesar de vários aspectos fascinantes que marcaram a carreira do grupo feminino, que as estabeleceram como alguns dos nomes mais intrigantes da quarta geração do k-pop, o trabalho do aespa também apresentou pontos baixos causados pelas más decisões da SM em relação à direção musical. O primeiro disco delas, Savage, trouxe abordagens únicas ao pop coreano baseadas em músicas que operavam criativamente com uma eletrônica agressiva adjacente ao hyperpop. Porém, em projetos subsequentes, a empresa decidiu se afastar desse som. Embora esta iniciativa tenha apresentado alguns bons resultados, dadas as inovações de sucesso e também porque o grupo tem mantido a sua essência a um nível considerável, isso mostra claramente a intenção de tornar o seu trabalho mais acessível. E, como resultado, várias de suas faixas já não tinham o mesmo brilho de antes. Sem mencionar o controle imposto pela gravadora que impôs inúmeras canções distantes da identidade artística do quarteto.

Nesse sentido, Armageddon, primeiro full-álbum do aespa, representa bem o que caracterizou a carreira do grupo até então, tanto os pontos positivos quanto os negativos. É curioso como, assim como em sua discografia anterior, o disco inicia com seus momentos mais lustrosos, mas ao longo do álbum, os problemas se tornam evidentes. “Supernova” é uma das canções mais formidáveis do girl group. Com uma produção eletrônica fenomenal que cresce ao longo da faixa com a adição de elementos que, justapostos, criam uma atmosfera hipnotizante, além do break tomado pelo electro-funk arrepiante, essas são suas principais qualidades.

“Armageddon” é uma das explorações mais fascinantes do hip hop dos anos 90, uma sonoridade que vejo diversos artistas de k-pop trazerem desde o ano passado. Acima de tudo, gosto bastante de como a intensidade que o boom bap busca trazer aqui consegue ser muito bem efetivada por meio de sua inteligente construção. Note como o pré-refrão possui um ritmo rápido e envolvente que contrasta excelentemente com o refrão, mais lento para enfatizar a ferocidade do baixo e da bateria hip hop. Se tivesse estrutura linear, talvez a música não soasse tão forte. Essas faixas trazem os aspectos mais importantes de seu trabalho musical: a surpreendente combinação do eletrônico e o hip hop.

As três músicas seguintes mantêm o hip hop formidável das artistas, embora não surpreendam tanto quanto os momentos anteriores. “Set The Tone” apresenta uma percussão imponente, cuja intensidade é reforçada pela performance igualmente forte das integrantes. “Mine” utiliza texturas metálicas alinhadas a um tom sombrio, resultando em uma faixa sedutora. “Licorice” faz mescla arrebatadora de rock com rap; se de início já se mostra envolvente, ao longo da música essa mistura vai se mostrando mais fascinante com a sua progressão, que adiciona mais guitarras, tornando-a cada vez mais potente, acompanhando também a entrega vocal intensa de aespa.

A primeira metade do disco mostra o que o girl group sabe fazer de melhor. No entanto, é a partir da segunda parte que os problemas começam a surgir. Essa parte do disco é uma excelente amostra das intenções da SM em tentar encaixar as artistas em sonoridades distintas que pouco se conectam à essência do grupo. Essas músicas até são boas na maioria, mas exibem o lado menos intrigante do grupo. Aqui, o álbum apresenta som mais suave, se afastando da intensidade sonora dos momentos anteriores.

“Bahama” é o ápice de excelência delas nessa abordagem, um nu-disco doce com grooves funk deliciosos. “Prologue”, embora soe mais como um pop soul que Red Velvet entregaria, destaca os vocais apaixonantes de aespa. Da mesma forma, “Melody” é uma adorável balada adulto-contemporânea. A única que destoa é “Live My Life”, um pop-rock sem graça que parece ter saído de alguma série do Disney Channel.

Porém, com exceção dessa canção, o restante do álbum é bom; penso que essas faixas, fora “Bahama”, são bastante esquecíveis no catálogo delas. Nesse sentido, Armageddon representa em diversos aspectos o que foi a carreira do girl group até então, mas nem todas as escolhas feitas aqui são algo que desejo para o futuro de aespa.

Selo: SM
Formato: LP
Gênero: Música do leste asiático / K-Pop
Davi Bittencourt

Davi Bittencourt, nascido na capital do Rio de Janeiro em 2006, estudante de direito, contribuo como redator para os sites Aquele Tuim e SoundX. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Música do Leste e Sudeste Asiático, Pop e R&B.

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