Crítica | HIT ME HARD AND SOFT


★★★★☆
4/5

“O esqueleto é livre de vida e enquanto vivo me estremeço toda. Não conseguirei a nudez final. E ainda não a quero, ao que parece.” dizia Clarice Lispector em Água Viva, de 1973. Billie Eilish compartilha um sentimento parecido, um misto de sensualidade e aventura, apreensão e esperança – e em HIT ME HARD AND SOFT, nada é mais claro do que a ambição da artista.

Numa colaboração com seu irmão e produtor FINNEAS, o novo álbum da cantora e compositora norte-americana é de um frescor irremediável quando comparado com lançamentos recentes de algumas de suas pares no pop. Além de efetivamente se revelar LGBTQIA+, Billie também se mostra um tanto frustrada com a persona criada em si e ao seu redor ao longo de sua carreira como artista e pessoa midiática, e sobre como é percebida por fãs ou não.

Apesar de ter sido rotulada como parte integrante de uma geração de artistas pop da geração Z, Eilish sempre teve para si o primor de ser vocalmente uma representante dos desejos e amparos de sua geração, seja em músicas como “TV” ou “Happier Than Ever”. Aqui, o foco é diametralmente voltado para si mesma: é Billie e sua sexualidade, amores, pesares e pressões, tudo com uma subjetividade e paradoxalmente entrelinhada que, em contraste com a produção ribombante de seu irmão, deixa tudo mais verossímil, mais brutal, mais seu.

A produção de FINNEAS merece louvores próprios: pouquíssimas vezes se viu instrumentais tão bem esculpidos, cheios de nuances técnicas e cor. Seja em "THE GREATEST" ou "L’AMOUR DE MA VIE", a diferença entre as letras e a produção – ora explosiva, ora relaxada – gera um efeito quase hipnotizante, com violões dedilhados ou com um electropop fulminante. Billie muda o assunto entre sexo, dor e fama em minutos, e seu irmão acompanha triunfantemente seus esforços.

Ao fim de uma primeira escuta, HIT ME HARD AND SOFT consolida Billie Eilish como uma das grandes artistas de sua geração, e quilômetros à frente da maioria de seus semelhantes. Suas nuances, pecados, delícias, vontades e dores são reveladas de forma congelante, cadenciada, regadas por uma arte que tem orgulho de se chamar Própria de sua realizadora, com sua mão no decorrer de todo o processo. Billie sabe que, no fundo, nada é mais singular do que a identidade, e nada é mais cativante do que a arte que se relaciona com a vida, com os episódios. E que o futuro guarde muitos mais episódios, e com isso, mais arte desse nível.

Selo: Interscope
Formato: LP
Gênero: Pop / Cantor-Compositor
Pedro Piazza

Pedro, 21 anos. Cursa psicologia e tem uma quedinha pelas abordagens mais abstratas. Ama todos os tipos de arte e em especial a música, que guarda um lugar essencial em sua vida, principalmente as mais barulhentas. Parte da curadoria de MPB e hip-hop no Aquele Tuim

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