Crítica | Guabiraba, Chicago


★★★★☆
4/5

Após 10 anos de carreira nas pistas, bailes, raves e tudo que a música eletrônica tem direito, Paulete Lindacelva finalmente lança seu projeto de estreia, o EP Guabiraba, Chicago; a última coisa que a dj pernambucana fez foi nos decepcionar. A monumentalidade do manifesto musical da artista pode ser resumida na perspicaz influência da cultura ballroom e dos tempos de ouro da música house, mas, mais importante ainda, no significado que isso tem para o Brasil.

Isso se manifesta na forma mais pura, possivelmente, logo no começo da primeira faixa, “Cantinela (Jam do Amor)”, cujo brado: “Chernobyl sob meus tênis / Avante monas”, ao som de percussões influenciadas por ritmos afro-brasileiros, tornando uma música house e ballroom — com performances de órgão fenomenais, vale destacar — em algo unicamente brasileiro. A risada contagiosa da multi-artista integra todos os elementos destoantes da faixa sob o manto da insanidade e transcendência musical, tornando, assim, o primeiro registro do disco o destaque de toda a experiência.

Obviamente, esse exemplo não é o único pico de genialidade brasileira no EP. Há também incorporação de ritmos do coco (ritmo nordestino, forte em Pernambuco) em “Maior Que Mim”; o gingado de frequências da faixa de funky house, “Bunitinha” — que, com esse nível de groove, só poderia ser derivado de um ballroom brasileiro —, e o espírito sambista na lógica de composição e no sample de “Samba Mortal”, que também utiliza de elementos do coco. Todos esses detalhes se direcionam ao título da obra: Guabiraba, Chicago, sendo o primeiro nome o maior bairro de Recife e o segundo a cidade onde os pioneiros da música house residiam.

A ponte entre as duas regiões não se constroi por meio de palavras, mas sim pela integração de marcas temporais, já que o chicago house apresentado aqui é mais próximo das raízes do gênero nos anos 80 e 90, apesar de ocasionalmente se aproximar do garage house. É através do caráter folclórico dos ritmos brasileiros explorados que essas pequenas pontes culturais são construídas; resultando em um produto único a partir da união de hemisférios opostos. Os stabs de pianos, a utilização assídua de referências da música soul, jazz e hip hop, a sensação de dj set; Paulete é mestra e graciosa nisso tudo.

Dos 30 minutos do EP, nenhum parece estar fora do lugar ou dá a menor impressão de ser descartável da experiência — em outras palavras, a DJ recifense nos entrega um projeto livre, animador e vivaz, sem soar amadora. Para compreender a música house como fenômeno dentro do Brasil — especificamente como demográfico e como espaço cultural —, diria que Guabiraba, Chicago é um dos melhores começos; ouvi-lo com certeza te dará vontade de mergulhar fundo nesse ritmo maravilhoso.

Selo: Perfecto Estado
Formato: EP
Gênero: Eletrônica / House
Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

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