A música (e o afeto) de Cabo Verde


Uma crônica das minhas descobertas da música de Cabo Verde, que surgem a partir de uma situação: uma conversa sobre Mayra Andrade.

Em uma noite de fevereiro, meu celular não conseguia parar de vibrar. O motivo era um só: Thy, um grande amigo meu, estava super eufórico em me indicar “Afeto” e o disco Manga, de Mayra Andrade, para ouvir. De imediato, eu não havia entendido o motivo de tanta agitação e insistência, mas eu resolvi dar uma chance.

Movido pela paixão dele pela Mayra, “Afeto” foi o meu primeiro contato com a música cabo-verdiana. Resolvi ouvir junto com o videoclipe, que tinha sido gravado em locações de Senegal e que parecia um retrato vivo do trabalho documental e artístico que diversos fotógrafos de países da África Ocidental fazem. Fui pego por uma combinação de emoções tão bonitas e tão difíceis de distinguir, que nem sabia dizer de onde elas vinham.

Agora, eu era o primeiro amigo de Thy que havia ouvido, de fato, aquela indicação. Ele também acabou se abrindo comigo sobre parte da sua história: ele tinha vivido grande parte da vida, principalmente na infância e adolescência, em Cabo Verde. Rodeado pelos tios e primos por parte de pai, era inevitável que grandes músicas do país fizessem parte das suas memórias — que, logo depois, se somavam, quase como um corpo vivo, para que eu as ouvisse.

Mergulhei de cabeça naquelas canções, que me revelavam tantos mundos que eu não conhecia… mas que, ao mesmo tempo, parecia que sempre fizeram parte de mim. “Balancê”, uma das músicas mais famosas de Sara Tavares, me envolveu e me localizou em uma espécie de celebração vibrante e leve. Já “Na Ri Na” e “Sabi di Más” me fizeram criar uma vontade quase incontrolável de saber mais sobre a Lura. “Lebam Ku Bo”, de Elida Almeida e cantada totalmente em crioulo, foi uma das minhas favoritas, e me trouxe, por alguns minutos, um pouco da dimensão do que é estar verdadeiramente apaixonado. “Sem Ninguém”, de Jorge Neto, “Sodade”, de Cesária Evora, e “Rei di Tabanka”, de Ferro Gaita, foram os maiores clássicos da seleção, que me localizaram em gêneros consagrados do país, como a morna e o funaná.

Porém, nada havia me preparado para “Vapor di Imigrason”, uma das músicas mais arrebatadoras de Mayra Andrade. Através de versos aparentemente enxutos, ela conseguiu encapsular muitas das angústias e todo o sentimento de esperança que envolvem a história e as feridas geradas pela colonização e movimentos de imigração de Cabo Verde. É uma canção super simbólica para a data de hoje, em que Cabo Verde comemora os 49 anos de sua independência de Portugal. Porém, ela conversa diretamente com Thy, que tem pai cabo-verdiano e mãe brasileira, e também comigo. Consegui entender completamente o fascínio por Mayra, que agora também já se estendeu para mim.

Eu diria que, até pouco tempo atrás, minha ligação com um dos únicos países lusófonos de África era quase nula, mas essa possibilidade nem existe mais. Estabeleci uma relação super afetuosa com a música de Cabo Verde, e ela vem de lugares mais que especiais — e que sempre irá me remeter ao início, que foi aquela conversa tão calorosa em que soube o nome de Mayra Andrade pela primeira vez. Muito obrigado, Thy.
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com ênfase em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor do Aquele Tuim, contribuindo com a curadoria de Música do Continente Africano.

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