Clássicos do Aquele Tuim | Flower Boy (2017)


★★★★★
5/5

Dentro de Tyler Okonma existem duas faces, das quais uma se torna latente ao depender da fase atual de Tyler, the Creator. A primeira, que percorre a carreira pré-lançamento de Flower Boy, é um tanto imatura, violenta, odiosa; mas também crua, criativa, desesperada, jovem, e acima de tudo, mentirosa. As mentiras não são cruéis ou agressivas. São sobre o próprio Tyler, feitas para chocar, afastar, esconder a persona que mais tarde iria florescer em Flower Boy: a segunda face. Na fase subsequente de sua carreira, Creator convenientemente assume a posição de vulnerabilidade que a primeira tentou tanto esconder e, com isso, torna latente as emoções reveladas até o momento, deixando brilhar aquilo que tanto tentou reprimir, seja por meios artísticos ou sociais.

Flower Boy nasce disso, do conflito entre duas personas altamente diferentes, da violência consigo. Em uma alegoria à luz de Clarice Lispector, é a junção de dois de seus títulos: “O Direito ao Grito” e “Quanto ao Futuro”. Um grito que vem do mais profundo âmago de Tyler, reprimido aos confins de sua alma, e uma marcação de tom para todos os seus trabalhos futuros. O tom não é apenas lírico, já que orbita todos os aspectos de sua música, dos instrumentais ao otimismo do artista. A nova fase de Tyler, the Creator é fecundada aqui, como fariam as abelhas que preenchem a capa do álbum.

A primeira faixa do álbum, “Foreword” (jocosamente chamada de Prefácio, em tradução), com Rex Orange County, brinca com as expectativas de alguém que já acompanhava Tyler e, ao primeiro ouvir Flower Boy, esperaria algo parecido com seus outros trabalhos. Desde os “uh” de fundo, que são marca registrada nas músicas da primeira metade da carreira de Okonma, até o instrumental cru (pelo menos antes da chegada dos sintetizadores e de Rex): tudo emana um ar que dificilmente não poderia ser encontrado em Cherry Bomb ou Wolf, trabalhos anteriores. O tom mais febril e menos abrasivo é confirmado em “Where This Flower Blooms”, a faixa subsequente com Frank Ocean.

Apesar do refrão “I rock, I roll / I bloom, I glow” de “Where This Flower Blooms”, juntamente com o nome sugestivo da faixa, gerar uma pré-concepção do tema do álbum; e da faixa em seguida ser o hit amoroso “See You Again (feat. Kali Uchis)”, Tyler só concretiza o tema do álbum em “Who Dat Boy (feat. A$AP Rocky)” no escancarado verso “I’m currently lookin’ for ‘95 Leo”. Aqui, Okonma descarta toda e qualquer possibilidade de heterossexualidade compulsiva e finalmente se abre, ainda que sem qualquer rótulo.

Para esclarecer a situação para seus fãs atônitos, Tyler aborda sua trajetória com a sexualidade em “Garden Shed”, a belíssima peça central de Flower Boy. Nesta faixa, ele fala sobre se esconder num galpão de jardim, uma metáfora sobre sair do armário, crescer com atração por garotos, perder amigos e, acima de tudo, sobre o medo. Medo é a emoção principal de “Garden Shed”, superando o orgulho e a liberdade. São os pesares que ele carrega, os arrependimentos: de se privar por tanto tempo de amores, por não ter continuado sem privação. É a dualidade de dores, toda escolha com uma renúncia.

Mesmo que o assunto sexualidade esfrie na faixa seguinte, “Boredom (feat. Rex Orange County & Anna of the North), o amor e a solidão continuam em voga nos versos de Tyler, e no refrão “Find some time / To do Something”, até chegar em “Ain’t Got Time!” a nona faixa, em que Okonma proclama “Next line’ll have ‘em like “Woah!” / I’ve been kissin’ white boys since 2004”, num brado que soa como se nada tivesse sido oculto, bastasse procurar melhor e os sinais sobre a sua sexualidade se revelariam.

Em “November”, the Creator enuncia sobre considerar o mês de novembro como uma alegoria para uma época marcante na vida de alguém, época onde a felicidade reinava, mesmo que de forma elusiva sob as lentes da nostalgia. No fim, Tyler não se arrepende do caminho que o trouxe até aqui, mesmo que seja completo de vivências secretas, de comportamentos falsos e de sentimentos escondidos. Mas agora, ele está finalmente livre e, por isso, sinaliza suas mudanças por meio de seu som, de suas letras, da estética e do ser. A metáfora da flor em seu título, por mais óbvia que seja, se revela verdadeira nos versos e na essência de Okonma, que após anos e anos tentando crescer no fértil, finalmente desabrochou e pretende polinizar outras flores latentes com o conhecimento de que, apesar de duro, florescer faz bem para a alma e faz bem para outras flores, seja no exemplo ou no conjunto de um jardim.

Selo: Columbia
Formato: LP
Gênero: Hip-Hop / Neo-Soul, Alternative R&B
Pedro Piazza

Pedro, 21 anos. Cursa psicologia e tem uma quedinha pelas abordagens mais abstratas. Ama todos os tipos de arte e em especial a música, que guarda um lugar essencial em sua vida, principalmente as mais barulhentas. Parte da curadoria de MPB e hip-hop no Aquele Tuim

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