Crítica | D.Silvestre



★★★★★
5/5

Falar de funk é falar de espaço, região, cidade, estado ou qualquer coisa que indique uma demografia que corresponda ao seu modo/estilo e meio de criação. Todo mundo conhece a divisão entre funk paulista e carioca, entre Espírito Santo e BH. d.silvestre, apesar de não ser paulista, utiliza muito das características estéticas desse espaço — físico — em suas produções. É como se ele tomasse o gênero para si, o domesticasse e o transformasse em uma espécie de funil responsável por dispersar suas criações que, mais do que nunca, vêm ganhando um destaque surpreendente tanto nas redes quanto nas cenas que o funk, como organismo vivo, projeta.

E, apesar de ocupar novos espaços enquanto utiliza o funk paulista de trampolim, d.silvestre parece entender que precisa ir além, não como forma de buscar novas localidades, mas como um passo importante para atribuir novas perspectivas e estabelecer suas marcas. É por isso que seu novo álbum tem seu nome no título. Ele ainda não está em condições de criar o “funk d.silvestre” e, então, usá-lo como exemplar único de todo o seu trabalho, mas não arrisco dizer que ele nunca o fará, pois neste álbum, para além de classificações e nomes — estes correspondentes a meios e métodos da teoria musical —, o que ele faz é algo profundamente próprio; único por excelência e novo por definição.

É difícil classificar cada amostra de beat ou cada suposta técnica usada por ele. Diferente de todos seus discos até então, ele nunca havia descartado quase totalmente a noção de ritmo. Se em O Inimigo Agora é Outro, Vol.2 as críticas mais injustas caíram sobre a aparência seca, “mal concluída” e repetitiva do projeto, aqui, essas mesmas características são quadruplicadas, com momentos que parecem parar no tempo apenas para lobotomizar qualquer ideia de funk criada até hoje. Esse chute no balde começa em “Mal Criado”, que parece se dividir em infinitas partes, com pausas e instrumentais que se opõem uns aos outros a todo instante. Na verdade, o álbum todo tem essas pausas que indicam mudança de ritmo, sample, ou de qualquer coisa que é usada em sua totalidade máxima de destruição simbiótica. “Turco Avançado”, por exemplo, tem apenas 1:55 minutos e sofre por volta de nove interferências estruturais.

Em outras faixas essa ruptura é ainda mais visível, porém, há ao fundo a manutenção de melodias e bases bem definidas, que parecem acentuar a curva de colagem épica no funk. “Montagem Da Silva” utiliza a pausa — os primeiros segundos abrem um vácuo no tempo — como parte de uma fusão do pós-industrial com o automotivo desconfigurado. É um caos estético, que impõe referências a cada batida alterada e a cada tuim metamorfoseado. “Xeque Mate” dá continuidade a essa desconstrução de uma batida seca e repetitiva, mas que, após o minuto 1:30 da música, sofre alterações profundas para algo que se assemelha a um ambient dub que poderia, facilmente, ter sido feito por Basic Channel na compilação BCD.

Se d.silvestre apenas amontoou as suas referências e tentou dar vida aos bipes dos botões das máquinas de lavar, não sabemos. Como um autointitulado, a única certeza é que mesmo tendo passado por uma dezena de coisas novas aqui, ele ainda mantém nas mãos um sentido de criação único, e este álbum é talvez o exemplo mais claro e evidente disso. D.Silvestre (o LP) pode não ser tão bem recebido por algumas pessoas, principalmente pelos ouvintes que esperam apenas um funk semelhante ao mandelão, recheado de distorções rápidas. Como mencionado anteriormente, d.silvestre ainda utiliza, muito, a fundação paulista com a qual construiu o seu casarão (“2 Beat Noia (Muito Emocionante)” e “Q De F0Da O Crack (Faixa Bônus)”), mas, em seu autointitulado, o que ele faz é seu e somente seu.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Funk / Beat Bruxaria, Experimental
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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