Crítica | Paraiso Sombrio


★★★★☆
4/5

O funk de BH já é conhecido por sua abordagem atmosférica, quase etérea. DJ Anderson do Paraíso, em seus outros lançamentos, busca explorar essa sonoridade com afinco, como fez no aclamado Queridão, firmemente posicionado nesse som, mas é em Paraiso Sombrio, seu segundo lançamento do ano, que essa forma de construção atmosférica chega ao ápice, até o momento.

O mais inteligente durante toda a duração do EP é o espaçamento entre os instrumentos, que faz o silêncio estar muito presente em todas as músicas, não necessariamente que haja algum momento em que nada está sendo tocado, mas é como conversar com alguém num lugar vazio — o silêncio permeia as vozes e os instrumentos. Além disso, a escolha de timbres graves para trabalhar os sintetizadores e as melodias são excelentes, é quase perturbador, e faz questão de ser. Os timbres graves contrastam com as percussões agudas, criando uma dissonância muito evidente e texturalmente inteligente.

Ademais, os samples são a parte mais importante do discurso desse EP. O uso desses elementos é tão meticuloso que se tornam indissociáveis do funk, e aí que está o jogo discursivo, a música sacra servindo aos bailes, o sabbath da putaria. A abertura de “Madrugada Fria”, por exemplo, com sinos e canto gregoriano, é perfeita; é o anúncio religioso que Paraiso Sombrio precisa para nos envolver nessa atmosfera, que somos jogados a um mundo em que todos os elementos de um baile funk se juntam ao cemitério de uma pequena igreja. É aí que tudo começa a fazer sentido, dos fetichismos sacros aos bailes cristãos.

A experiência geral é viciante, cada criação de textura e cada elemento mixado são bem localizados e por ser um EP que você vai escutar muitas vezes, esteja certo de que cada vez será uma nova experiência. Serve tanto para ser escutado à noite, voltando para casa, ou no seu quarto, no baile, ou numa festa, seguido de outro álbum de funk, ou de um álbum de black metal. E isso sem perder camada alguma, significado algum — é no mínimo fantástico que isso seja possível, e que bom que é. Se ainda existiam dúvidas de uma versatilidade no funk brasileiro, ou nas suas características experimentais, elas estão enterradas no cemitério, e quem dança sobre o cadáver somos nós.

Selo: DC MUSIC
Formato: EP
Gênero: Funk / Funk de BH, Dark Funk
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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