Crítica | Sai do Coração


★★★★☆
4/5

Sai do Coração, como qualquer obra que busca explorar o amor em suas diferentes manifestações, tem como ponto de partida superação da tristeza através da melancolia, implicitamente ligada ao motivo de corresponder a determinados sentimentos do subconsciente do autor. É como se Nuno Beats quisesse, o tempo todo, dizer-nos alguma coisa, mas a barreira entre a linguagem usada por ele impede que suas observações e apontamentos diretos sejam eficazes — pelo menos a princípio.

Isso se deve ao fato de que Sai do Coração, assim como a maioria dos discos do selo Príncipe, localizado em Lisboa, Portugal, expressa sua narrativa de forma pouco convencional. A batidas, batuques e a intensa organização de sons provenientes da rica herança africana coordenam as melodias e servem de combustível para o artista expressar seus sentimentos profundamente incorporados. Cada sinal de alerta presente nas composições de Nuno Beats é cuidadosamente trabalhado para imprimir significado em suas linhas perpendiculares de gravura sonora. Por exemplo, em “With Wine”, a angústia e a beleza se entrelaçam de forma tão intensa que os pequenos elementos na composição adquirem uma grandiosidade intuitiva, densa e profundamente comovente.

As batidas compostas, que pairam sobre o R&B e dezenas de outras referências à música negra, juntam-se aos toques eletrônicos de Nuno, que acrescentam volume através de abordagens como a tarraxinha, principal assinatura do selo Príncipe. Esse estilo, com raízes na kizomba angolana, varia de ritmos dançantes (“Me Cuna”) — definida por espaços de 80 a 100 batidas por minuto — até a intensidade percussiva de faixas como “Confusão no Ghetto”, que mescla as duas frentes do Sai do Coração: a percussão pura e a forte presença eletrônica. “Muito Sono” segue o mesmo caminho, mas utiliza elementos mais sintéticos, como os resquícios de amapiano.

Em pouco mais de vinte e seis minutos, Sai do Coração torna-se autossuficiente em quebrar as barreiras impostas entre a exposição de sentimentos através de sons instrumentais (como os daqui) e composições líricas diretas (que comumente vemos no pop). Nuno reflete bem a intenção do selo Príncipe de criar uma unidade musical baseada em referências que, muitas vezes, pouco conversam entre si quando lançadas isoladamente, sem o grande apreço que vemos aqui. É um trabalho notável que estabelece uma linguagem própria ao abordar o amor, utilizando sons e ideias arrojadas para alcançar seu objetivo. Tem, sobretudo, força de vontade para avançar em suas características mais interessantes. É o amor pelo amor e o amor pela música.

Selo: Príncipe
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / Tarraxinha, Pop
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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