Recap Mensal de Singles AT | Junho


A recapitulação mensal contendo os melhores singles do mês.

Junho foi um mês recheado de singles de artistas retornando ao seu ofício (ou ócio), seja para dar início a uma era nova da sua grandiosidade pop ou para reintroduzir um passado distante e fabuloso. Leia abaixo para ter certeza de que não perdeu nenhuma novidade no mês passado!




7.
“Cinnamon Temple”
Hiatus Kaiyote

Como último single para o álbum Love Heart Cheat Code, já disponível nos serviços de streaming, a banda de soul australiana Hiatus Kaiyote lançou “Cinnamon Temple”, uma repaginação mais rock de seu estilo eletrizante. Com o clássico tratamento de som do soul psicodélico, a faixa experimenta progressões rítmicas gradativamente mais desconexas até que suas ideias se esgotem; uma hora a exaustão chega aos cérebros da banda. Enquanto a origem matemática dessas experimentações é quase jazzística — uma herança estilística do math rock dos últimos anos —, os ritmos em si ora se assemelham ao metal técnico e ora aos atos mais agitados do neo-soul. É uma bagunça? Com certeza, mas é uma bagunça calculada — trocadilho não intencional — e divertidíssima!

Selo: Brainfeeder
Gênero: Rock / Math Rock, Soul Psicodélico




6.
“LET THE VIRGIN DRIVE”
SPIRIT OF THE BEEHIVE

“LET THE VIRGIN DRIVE”, da banda de rock americana SPIRIT OF THE BEEHIVE, entrega, simultaneamente, uma epopeia de bolso do indie pop e um dos melhores singles recentes do gênero — além de uma capa linda, diga-se de passagem. Influenciada por MGMT, The Smiths e Beach Boys, nessa nova era a banda põe em bom uso tudo que aprendeu em seu passado no noise pop — algo em torno de uma década — para restituir o mesmo nível de atmosfera desse gênero no indie pop. O resultado é mais que primoroso, é um deleite completo.

Durante seus três minutos e meio, a banda passa pela falsa felicidade do jangle pop, pela estranheza retrô do h-pop e pela grandiosidade decadente do pop barroco com completa maestria. Em todos esses capítulos, um verniz de psicodelia e tristeza é passado de forma a intensificar a sensação de não-pertencimento e esquecimento do single; tem algo de errado aqui, mas ninguém consegue dizer o quê. Após esse lançamento apaixonante, não só estou animada para o próximo projeto como também para ouvir os anteriores.

Selo: Saddle Creek
Gênero: Pop / Indie Pop, Neopsicodelia, Jangle Pop




5.
“Lullaby for a Memory”
Fax Gang & 파란노을 [Parannoul]

“Lullaby for a Memory” marca a primeira colaboração feita entre Fax Gang, coletivo de cloud rap internacional, e Parannoul, nome artístico do coreano que, sozinho, reviveu o shoegaze. Lançada uma semana antes do registro colaborativo completo, a faixa é um estouro de confete de sentidos, confundindo noções do rock, da eletrônica, do rap e do pop em um liquidificador de oito lâminas da fragilidade auto-destrutiva. Seu objetivo, assim como o do álbum, é utilizar o máximo de ideias possível antes da perda total de sentido destas; um esforço controlado que encontra abrigo na sentimentalização opaca dos instrumentais em frangalhos.

Dos pianos maquínicos às guitarras (provavelmente) computadorizadas, Parannoul prova, novamente, ser um disparate extravagante da cultura DIY, da produção de notebook, do erro encontrado acidentalmente na busca nervosa pela verossimilhança. Desta vez, entretanto, o projeto é radicalmente diferente. O fato é que o multiartista, majoritariamente, não se acha mais na solidão: está rodeado de novos amigos, da “nova cena indie coreana”, da renascença do emo que tanto ama brincar de Bladee e com a música eletrônica. O auxílio da Fax Gang era o passo necessário para a nova etapa de redescoberta do prodígio do shoegaze, e assim atingimos o mais novo patamar da música caseira.

Selo: Longinus, Topshelf
Gênero: Eletrônica / Noise Pop, Breakbeat, Indietronica




4.
“Cosmic”
Red Velvet

Quando se pensa em “novo disco-pop”, “synthpop revival”, “nu-disco” ou qualquer nome que prefira dar ao fenômeno, muito se pensa no pop do ocidente: Dua Lipa, The Weeknd, Mark Ronson, Jessie Ware… Porém, a febre também existe no k-pop, e “Cosmic” talvez seja a sua melhor música. Com a força vocal inabalável das idols, até os genéricos baixos de synth funk dos versos têm um caráter resplandecente quando comparados com o resto — notavelmente estagnado, imprescindível ignorar — do gênero.

Mas não para por aí, pois as donas Red Velvet sempre dão um toque especial nas tendências que agregam ao seu trabalho, e o aperfeiçoamento da vez se encontra na repaginação do future house sob a lógica do k-pop. Os baixos pulsantes do gênero, rodeados de stabs de violinos desafinados e vocais épicos mas calmos, formam uma doçura roxa que atinge o objetivo máximo de todo esse renascimento da música disco: fazer você dançar. Não é necessário comentar que o resultado é o melhor refrão de k-pop do ano — as divas nunca decepcionam!

Selo: SM
Gênero: Música do Leste e Sudeste Asiático / K-Pop, Nu-Disco, Future House




3.
“Life”
Jamie xx & Robyn

Em todos os singles para o rollout de In Waves, próximo disco de Jamie xx, o produtor demonstrou ser mestre em trabalhar com a simplicidade da música house. Jamais saturando os clichês do gênero, o Sr. XX sabe, perfeitamente, as noções de tensão e liberação de tensão, as funções de cada região de frequências, tipos de instrumento, características do som e tudo que você conseguir pensar sobre produção de música eletrônica. Mas ao invés de usar esse conhecimento para criar uma faixa sem erros, perfeita demais para se ter o que julgar, ele aplica sua genialidade em celebrar, o máximo que pode, da vida.

As faixas são repletas de vocais celebrativos, build-ups que enunciam a chegada de uma vitória e melodias que parecem ter acabado de ganhar uma maratona. Nenhuma delas é tão emocionante, entretanto, quanto “Life”, com um sample de trompete que faz até a mais triste das almas levantar da cama e ir tomar um pouquinho de sol. É, como seu título sugere, um aceno ao puro ato de viver, de aproveitar o que pode enquanto pode; não consigo pensar em algo mais bonito que isso.

Selo: Young
Gênero: Eletrônica / Funky House, French House




2.
“Russian Roulette”
Porter Robinson

No terceiro single do álbum SMILE! :D, que sairá dia 26 de Julho, Porter nos oferece um novo, leve e esperançoso olhar sobre sua relação complicada com a depressão. Acima de sintetizadores-guitarra e uma bateria eletrônica plástica e frágil, o compositor medita nos diversos eventos que percorrem sua vida no momento, relacionando com a forma de pensar de alguém logo após um longo episódio depressivo; o diferencial, porém, é a alma vitoriosa da música.

“Then I close my eyes / Gamble with my life / Trying not to smile / Maybe this time I won't be alright”, é o que é cantado por Robinson no refrão, trazendo à tona as inúmeras vezes em que nós — especialmente pessoas depressivas — fazemos algo arriscado na esperança de que as consequências nos façam sentir algo: a dor. O mundo é um local horrível, cheio de situações desesperadoras, julgamentos de todos os cantos; a vida nos desanima a viver.

Há, porém, o outro lado: ao apertar o gatilho, talvez a dor não venha. Vai vir o alívio, a pressão do cano da arma contra o seu crânio vai suavizar, o verde ficará mais verde e o pôr-do-sol menos marrom. Os sentidos, mais aguçados, vão poder notar as pequenas coisas da vida melhor, e Porter entende isso da seguinte forma: a vida, também, nos anima a viver. “Don’t kill yourself, you idiot”.

Selo: Mom+Pop, Sample Sized
Gênero: Pop / Indietronica, Indie Pop, Euro-Trance




1.
“#19”
Aphex Twin

Não é necessário conhecer a fundo a trajetória de Richard D. James para saber que ele sempre esteve longe de acompanhar seriamente as mudanças no consumo, no formato, no meio e na propagação musical no que diz respeito, essencialmente, às suas obras como produtos na esteira do consumo. Talvez sua posição, como gênio da música eletrônica, ou seu público, alguns nerds desavergonhados que adoram investigar cada milissegundo de suas criações, disponíveis ou não, pouco fazem para forçá-lo a agir como uma estrela “normal”.

Por esta razão, Richard sempre se manteve muito reservado quanto às mudanças estruturais do ambiente em que está inserido. Suas diferentes personalidades artísticas, que ganham vida até mesmo em projetos separados do Aphex Twin, vagam livremente por uma centena de álbuns lançados em datas diferentes, de diferentes perspectivas e em diferentes formatos. Ninguém nunca sabe exatamente onde ele está ou com quem interage (musicalmente) ou como expõe parte do que cria.

“#19” é um exemplo ideal da distância de Richard em relação ao que é considerado ideal para um determinado artista em um determinado meio. A faixa ficou presa em lançamentos de vinil por anos e agora finalmente chega ao streaming como parte do relançamento Selected Ambient Works Volume II (Expanded Edition). O que chama a atenção, porém, não é apenas esse fascínio em ter contato com algo que sabemos da importância, mas sim a frieza de corresponder exatamente ao que de melhor Aphex Twin um dia ousou fazer. São 10 minutos que percorrem a ondulação magnética do drone, estimulados pelo sentimento melancólico e interdimensional, que parece invadir o coração e alterar os batimentos cardíacos sem sequer elevar o tom ou beirar uma confusão estética barulhenta e quebradiça.

Em vez disso, estamos condicionados a pensar que o lançamento desta música agora e de todos os seus ritos e símbolos nada mais são do que o reconhecimento desta contra-indicação de dispersar, de recompor em unidade, à sua maneira, cada coisa individual já produzida em nome do Aphex Twin. É uma peça coletiva, que atrai tanto os já citados nerds quanto as pessoas de meia-idade que saem todas as manhãs para trabalhar e alimentar seu vício em Richard — seja de hoje ou de ontem, o do vinil ou do streaming.

Selo: Warp
Gênero: Experimental / Música Ambiente, Drone



Menções Honrosas:


“Alibi”
Sevdaliza, Pabllo Vittar & Yseult

Sem plastificar ou descaracterizar o funk e o reggaeton, Sevdaliza permite a coexistência plena destes com o pop em “Alibi”. Isso ocorre pois a cantora é muito versátil e direta em suas influências: aplica as raízes art pop do pop alternativo de forma excelente na reconstrução de ritmos exteriores à esfera americana/britânica. Björk, Arca e ROSALÍA irão amar essa faixa.

Selo: Twisted Elegance
Gênero: Pop / Alt-Pop, Reggaeton, Funk




“Autograph”
Nicole Miglis

Injustamente impopular, Nicole Miglis ressalta seu talento ao incorporar, maravilhosamente, as novas sensibilidades caseiras da música eletrônica no art pop katebushiano. É um produto inspirador, que encanta pelo nível de qualidade de composição (lírica e melódica) e produção; preste atenção em Miglis, tenho certeza que ela vai entregar um projeto fascinante.

Selo: Sargent House
Gênero: Pop / Art Pop, Glitch Pop, Indie Pop




“Breaking”
ANOHNI and the Johnsons

Provavelmente gravada nas sessões de My Back Was a Bridge For You To Cross, “Breaking” revela um curto e avassalador conto sobre um sonho que se despedaça no ar. Relativamente vaga, a faixa tem seu ponto forte na performance vocal impecável de ANOHNI, mas a guitarra suave de fundo não fica muito para trás; é uma música extremamente agradável, mas que deixa um gostinho de quero mais.

Selo: Rebis Music, Rough Trade
Gênero: Cantor-Compositor




“Common Loon”
Xiu Xiu

Xiu Xiu sempre foi um grupo conhecido por ter um lado bem experimental, aliado à música industrial, e um mais alinhado ao pop (mas ainda relativamente experimental). “Common Loon” faz parte desse lado mais acessível, utilizando do space rock como base para os vocais björkianos e para a cacofonia das guitarras rasgadas. É realmente muito boa, mas é impossível descartar o fato de que Radiohead, Stereolab e Spacemen 3 já fizeram coisas mais interessantes, mais únicas e melhores décadas atrás.

Selo: Polyvinyl
Gênero: Rock / Space Rock Revival, Noise Rock




“Quem vem pra beira do mar”
Quartabê

Repaginação da lendária composição de Dorival Caymmi, “Quem vem pra beira do mar”, do grupo brasileiro de jazz Quartabê, é uma demonstração fantástica de como transformar um cover em algo totalmente seu. A repetição de deslizes e dedilhados em violões acústicos na primeira metade é um dos momentos mais hipnotizantes da música brasileira neste ano. A segunda metade, porém, melhora tudo com uma sessão quase avant-folk de doces, terrenas e delicadas flutuações nos violões. Vale a pena dar uma olhada!

Selo: Risco
Gênero: Folk / Chamber Folk, Cantor-Compositor




“Supernatural”
NewJeans

Com batidas vintage e pianos elétricos de dar água na boca, nem parece que o lançamento passado do grupo da ADOR foi “How Sweet”: “Supernatural” é saborosíssima, e o seu lado B, “Right Now”, está longe de ficar para trás. Quem não ama new jack swing? As NewJeans que não são — pense numa música viciante!

Selo: ADOR
Gênero: Música do Leste e Sudeste Asiático / K-Pop, New Jack Swing, City Pop




“Terms and Conditions”
Boldy James & Conductor Williams

Em preparação para a colaboração completa entre ambos, Boldy James, rapper prolífico na cena de drumless, e Conductor Williams, produtor altamente louvado dentro do mesmo campo, lançaram a faixa “Terms and Conditions”. O single não representa nenhum passo a mais no que já foi trilhado dentro do estilo, mas é um aperfeiçoamento da mais alta qualidade, seja nos samples de chipmunk soul ou no esquema de rimas. Se for pra escolher alguém do drumless para ouvir no ano, que seja Boldy James.

Selo: Near Mint
Gênero: Hip Hop / Chipmunk Soul, Gangsta Rap




“Vintage”
Moses Sumney

Moses Sumney volta seu foco em direção à uma composição de qualidade e ao aperfeiçoamento adocicado de convenções do neo-soul; não era o Sumney de que esperávamos, queríamos ou de que precisávamos, mas isso não quer dizer que seu talento foi desperdiçado ou esvaziado.

Selo: TUNTUM
Gênero: R&B / Neo-Soul
Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

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