Crítica | Bird's Eye


★★★★☆
4/5

Uma das maiores revelações do R&B na última década, Ravyn Lenae é sinônimo de excelência mesmo com poucos lançamentos atrelados a seu nome. Logo em seu álbum de estreia, HYPNOS (2022), já era evidente que a artista carregava consigo todas as ferramentas necessárias para torná-la uma potência na música: uma voz com ressonância inata, um leque de referências rebuscado e a sensibilidade para transformá-las em algo próprio. Bird’s Eye, seu segundo disco e o primeiro em dois anos, transporta essas características para um espaço mais concreto, caloroso por definição e expansivo por consequência.

A premissa de Bird’s Eye parte da reconexão de Ravyn com seu passado na tentativa de compreender o presente e, principalmente, a si mesma. É por isso que o registro caminha com os pés no chão, como se Ravyn estivesse refazendo seus passos à medida que revisita momentos marcantes de sua trajetória — dentre eles, a reconciliação agridoce entre a cantora e o seu pai, ilustrada em “One Wish”, é, de longe, o mais tocante. Nesse mesmo compasso, a produção do disco, assinada por Dahi, apresenta um pulso firme e constante, com batidas sincopadas que ajudam a criar a ideia de uma atmosfera sólida e realista — um contraste direto com as flutuações de HYPNOS.

Em “Love Is Blind”, ápice sonoro do registro, essa construção é tão bem traduzida que se torna quase tangível: o aumento da intensidade dos acordes de violão no segundo refrão, seguido do jogo de alternância da ponte que lidera uma virada rítmica genial extrapola os limites sensoriais da audição. É perfeito. “From Scratch”, outro grande destaque, reúne as maiores influências de Lenae em uma única faixa. Nela, o romantismo fantasioso de Janet, a expertise melódica de Brandy e a volatilidade vocal de Minnie Riperton se fundem numa representação definitiva das forças que conduzem a obra da artista.

São elas que, em conjunto com o esquema engenhoso de produção, fazem de Bird’s Eye um registro extremamente expansivo dentro do catálogo de Ravyn Lenae. O disco marca uma virada de chave no processo criativo da cantora, agora assumidamente mais pop e com confiança para empregar sua voz em cenários que fogem do R&B convencional, como o reggae e o rock. No entanto, é o throwback oitentista da faixa de abertura que chama mais atenção — “Genius” funciona porque surge em um momento de completa saturação dessa estética como a última gota potável da fonte que a alimenta, materializando-se como a prova máxima de que esse tipo de revival deve fugir da obviedade do synthpop contemporâneo.

Bird’s Eye é tão conciso quanto plural, e tem êxito ao amarrar diferentes aspectos da música de Ravyn em um único projeto. Em “1 of 1”, somos levados de volta às raízes soul-funk de “Sticky”, single responsável por despontar a carreira da cantora. Nessa jornada de autodescoberta, é ao abraçar os pontos mais cruciais de sua trajetória que se pinta a imagem de uma artista completa. Parece que, finalmente, Lenae encontrou os meios para expressar tudo o que ela ainda abrigava dentro de si.

Selo: Atlantic
Formato: LP
Gênero: R&B / Pop
Marcelo Henrique

Marcelo Henrique, 21 anos, estudante e redator das curadorias de Pop e R&B/Soul do Aquele Tuim.

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