★★★★☆
4/5
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Um Jesus suburbano decide pegar o caminho mais longo para casa. Uma decisão questionável após 8 horas de trabalho exaustivo com pequenas pausas no banheiro para alinhar sua carreira e cheirá-la com gosto — mas é preciso manter-se em forma, uma caminhada a mais fará bem. No caminho, ele para em uma loja de conveniência e compra uma Coca-Cola sem açúcar e uma Pringles de cebola e salsa para o jantar — é preciso comer seus vegetais.
Enquanto faz o pagamento no caixa com seu cartão de crédito — é preciso acumular pontos para trocar por descontos —, um comercial de um medicamento para dores musculares é interrompido por uma mensagem do presidente. Um homem calvo de meia idade celebra os resultados da defesa da soberania nacional no território de outros países, enquanto as imagens mais instagramáveis da chacina são exibidas com filtros embranquecedores. Ao final do pronunciamento, um comercial da Taco Bell é embalado por um punk rock higienizado — é preciso lucrar com as críticas ao lucro.
O Jesus suburbano poderia estar em 2004 ou 2024 — em qualquer data, o Green Day seria celebrado ou escorraçado pelos mesmos motivos. Há exatos 20 anos, American Idiot era lançado como um novo auge para a banda após um declínio comercial desde o explosivo álbum Dookie, de 1994. Já na casa dos 30 anos, os membros decidiram se aprofundar em temas políticos e tecer críticas à cultura estadunidense em meio à Guerra do Iraque e as repercussões geopolíticas do atentado de 11 de setembro de 2001.
O resultado foi um álbum conceitual encorpado, com a construção de uma narrativa envolvente para o alter ego do vocalista Billie Joe Armstrong. “Jesus of Suburbia”, com seus 9 minutos de duração, é uma jornada que encapsula perfeitamente o torpor e a negação da sociedade estadunidense, que é o alvo preferencial da banda ao longo de todo o projeto. Em uma tentativa de fazer uma “Bohemian Rhapsody” moderna, Green Day apostou em uma abordagem menos épica — e talvez por isso mais eficaz em sua proposta —, com uma divisão em 5 atos de diferentes tempos que fazem o ouvinte sentir pena, raiva e até um pouco de atração pelo protagonista.
A atemporalidade de American Idiot não é limitada ao seu conteúdo lírico. Os riffs de guitarra e coros eufóricos de “Holiday”, além de imediatamente reconhecíveis, contagiariam o público de qualquer festival de rock atual. A faixa-título continua sendo uma aula sobre como fazer um bom pop punk, com sua bateria instigante e demais elementos que serviram de inspiração para muitos artistas que embarcaram na onda do emo-revival dos últimos anos.
E, falando em emo, os hinos que embalaram a fossa de muitos adolescentes dos anos 2000 seguem causando comoção. Apesar de caricata para os tempos atuais, “Boulevard of Broken Dreams” tem um charme próprio com a melancolia solitária e suas letras que foram amplamente exploradas como aesthetic no Tumblr — “Minha sombra é a única coisa que anda ao meu lado”. Já “Wake Me Up When September Ends” tornou-se um marco incontornável na cultura pop e é relembrada em todo 1º de agosto. Com um início acústico que evolui para uma poderosa balada de rock, Billie Joe transformou a perda de seu pai em uma das faixas mais marcantes da banda.
Atemporal, politicamente incorreto e um pouco fedido: American Idiot foi responsável por estabelecer Green Day como um grupo relevante para o cenário do punk rock. Não por ser disruptivo ou revolucionário, mas por impulsionar narrativas contra-hegemônicas enquanto ocupava um espaço na cultura de massa. A banda podia não ter mais a mesma rebeldia que a consagrou nos primeiros anos de carreira, mas conseguiu deixar um legado para uma geração inteira de inconformistas. Por favor, não me acorde quando setembro acabar.
Selo: Reprise Records
Formato: LP
Gênero: Rock / Punk Rock, Pop Rock