Clássicos do Aquele Tuim | A Hard Day’s Night (1964)


★★★★★
5/5

A Hard Day’s Night é o terceiro álbum de estúdio dos Beatles, tendo como muitos o último da era “iê-iê-iê” do grupo, antes do início do processo de amadurecimento que viria com seu sucessor “Beatles For Sale”. Além de tudo, é o primeiro a contar com 13 faixas escritas por Lennon e McCartney.

Predominantemente mais pop, comparado com os antecessores, a faixa título traz consigo uma das histórias mais emblemáticas da história do quarteto. Foi após um longo dia de trabalho que Ringo lançou a frase "Foi a noite de um dia difícil".

E com um acorde em Fá com o baixo em Sol, os Beatles dão o pontapé inicial no álbum, que é logo precedido por "I Should Have Know Better", lembrada no filme com a participação de Pattie Boyd, futura esposa (e ex) de George Harrison, gritando e bagunçando os cabelos enquanto a música rola solta, junto com uma partida de baralho entre o grupo no vagão de carga de um trem.

“If I Feel” foi a primeira tentativa de Lennon em fazer uma balada pura e sentimental, com harmonias que beiram a do duo Everly Brothers – é impossível não lembrar da Rita Lee e sua versão "Pra Você Eu Digo Sim".

Em “I’m Happy Just To Dance With You”, feita especialmente para George, por não ter confiança para compor seu próprio material, foi descrita por McCartney como uma canção de "fórmula", construída para atingir a massa de um jeito ou de outro. Fica aqui um detalhe pessoal: foi essa música a causadora de George ter se tornado o meu beatle favorito. A faixa é um pop rock realmente certeiro, seguindo à risca o que McCartney disse. Contudo, por sua simplicidade, seja nos acordes e vocais, ela deve sim receber um troféu por ser tão espirituosa.

"And I Love Her" vem em seguida. A primeira balada em que McCartney se impressionou, sendo para Lennon como "seu primeiro "Yesterday", mistura bolero com Ringo atacando em bongôs, um baixo apenas marcando o tempo, e o riff brilhante de George, infelizmente foi tocada apenas uma vez fora dos estúdios da EMI.

“Tell Me Why” pode facilmente ser reimaginada nas vozes de grupos femininos da Motown, com uma estrutura básica e um refrão chicleteiro. Logo em seguida, “Can’t Buy Me Love”, que até hoje não entendo como ela pode fechar o lado A, quando deveria estar pelo menos na terceira faixa; começa aos berros de Paul McCartney. Ao mesmo tempo que é um rock and roll sólido acaba se encaixando em todo o caos que a cena do filme mostra, com os quatro correndo por um terreno, pulando e bagunçando.

Agora eu pergunto: quem lembra de pelo menos três faixas do lado B de A Hard Day’s Night? Ofuscado pela sua ausência no longa metragem, o segundo lado do álbum contém um brilhantismo oculto. Para “Any Time At All", o grupo parece estar tentando gerar uma segunda “It Won't Be Long”, enquanto em “I’ll Cry Instead” há os indícios de “She’s a Woman”.

Em "Things We Said Today", Paul McCartney traz um lado mais jazzista em seus acordes, abordando o amor de um cantor por uma garota, no caso Jane Asher. Nostálgica, a canção faz a transição da primeira para a terceira pessoa. Para os críticos musicais, parecia mais uma letra de Lennon do que McCartney.

“When I Get Home” traz o característico coro do grupo, sendo também o primeiro registro de falsete deles. Influenciados pelas Shirelles ou não, é uma das faixas que ficamos até entristecidos por não ter entrado para o filme.

Seguindo para “You Can’t Do That” e um dos riffs mais emblemáticos da discografia beatlemaníaca, envolve paranoia sexual, ciúme, um tom genial e ameaças. Apesar de sua potência, ela estaria na cena final, porém foi cortada junto "I'll Cry Instead". Surpreendentemente, ouvindo ela hoje, é difícil de imaginar que levou apenas nove takes para ser concluída.

A última faixa com “I’ll Be Back” tem como inspiração "Runaway" de Del Shannon. Retrabalhada, é mais uma música de letra forte e guitarras flamencas. Porém, sem refrão e totalmente incomum para o mundo pop, fecha forte do mesmo modo que o álbum abre.

A discografia dos Beatles é uma aula de transformação. Do mesmo modo que ela tem seu início explosiva com “I Saw Here Standing There”, é um deleite prestar atenção que os quatro eram muito pequenos para o que faziam e queriam mais e mais. Apesar de “parecidos”, “Beatles For Sale” que seria lançado no mesmo ano e “Help” no ano seguinte, já mostram a direção que o grupo iria. E ninguém os seguraria… Mas isso é assunto para outro texto.

Selo: Parlophone
Formato: LP
Gênero: Rock / Pop, Pop Rock
Victor Persico

Nascido em Santos (SP), formado em Jornalismo e estudante de Publicidade e Propaganda, social media e colecionador de discos. Crítico, colunista e redator, já colaborou com outros blogs culturais, fazendo coberturas, resenhas e entrevistas, sendo também administrador do Som na Vitrola no Instagram. É redator do Aquele Tuim, fazendo parte da curadoria de Rock.

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