Clássicos do Aquele Tuim | Scary Monsters (and Super Creeps) (1980)


★★★★★
5/5

Como espaço-tempo prolífico para um zilhão de vidas, a década de 1970 foi alvejante com David Bowie. Entre onze discos e diversas personas artísticas, ele corria entre metamorfoses: de grande apogeu como estrela do glam rock à cólera lasciva do vício em cocaína, passando por amores, decepções, muitas colaborações artísticas e, claro, mudanças. Era de se esperar que, de alguma forma, essa turbulência sem trégua teria implicações retroativas.

Scary Monsters (and Super Creeps) nasce do tormento dessas “silhuetas e sombras” — palavras que ele escolheu para começar o disco. Bowie chegou a descrevê-lo como um expurgo: é uma obra calcada pelo sentimento agridoce de estar confiante, mas repleto de dúvidas, com um grande senso de autorreferência — afinal, diversos outros artistas já estavam se inspirando nele.

O título parte de um anúncio publicitário de uma embalagem da Kellogg’s, que dizia no verso: 

Buy your packet of Kellogg's Corn Flakes, and inside you will find scary monsters and superheroes. 

Inevitavelmente, esse anúncio também iria inspirar a capa: fruto de um trabalho conjunto entre a fotografia de Brian Duffy e a pintura de Edward Bell, ela apresenta a imagem de um Bowie pierrot, cheio de vivacidade e com a maquiagem borrada, dividindo espaço com a sua própria sombra, que segura um cigarro e se porta como uma figura decadente. Essa simbiose de elementos dá a sua verdadeira face, que passeia entre rasgos de guitarra e a profunda influência com o new wave.

Existem algumas lentes temporais possíveis para entender seus pressupostos. Particularmente, o fascismo ainda parecia atordoá-lo, visto que domina a narrativa de algumas faixas, como “It’s No Game (Pt. 1)" e “Scream Like a Baby”; talvez pela sua estadia em Berlim durante a sua recuperação enquanto adicto, talvez por esse senso de referenciar o passado. “Ashes to Ashes”, o grande sucesso do disco, cristaliza esse ponto, tratando, por meio de alegorias, os horrores do artista com o vício em cocaína — que, no auge do abuso, causou uma série de incidentes com o personagem Thin White Duke, um sociopata neonazista cuja representação e realidade se confundiram na visão do público.

Além de tudo, Bowie também tinha uma visão pessimista sobre o futuro dos anos 80, vide a sua profunda aversão ao movimento New Romantic, inflamada em “Fashion”. Porém, isso não impediu que o álbum traduzisse os anseios comportamentais do New Romantic, tampouco que se comunicasse com a estética sonora da época.

Por muitos, Scary Monsters (and Super Creeps) é considerado o último grande disco do artista no século passado. Eu particularmente discordo dessa afirmação, mas não há dúvidas de que ele carrega consigo uma pulsão única, dessas que só surgem uma vez e em um momento específico. Chega a ser assombroso, e não há nada mais David Bowie do que isso.

Selo: RCA
Formato: LP
Gênero: Rock / Art Rock, New Wave
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com ênfase em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor do Aquele Tuim, contribuindo com a curadoria de Música do Continente Africano.

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