Classificação AT | Vaporwave


Muito além do aesthetic, Vaporwave também é político.

TKS800, Nintendo Disk, sistema Copland: os três são exemplos de “vaporware” (com ‘r’ mesmo), um termo utilizado satíricamente para descrever tecnologias que são anunciadas, mas cujo lançamento oficial nunca vem. De um modo qual a expectativa fosse grande demais — e o produto fosse concebido aquém, mirrado, menor. A estética audiovisual Vaporwave nasce com essa ideia elusiva, frágil — de uma vontade por algo inatingível. Esse sentimento idealizado do “querer” contra o “ter”, o desejo por nada mais que um fantasma.

Como o Vaporwave surgiu?

O gênero nasce em meados de 2010, com influência de características do plunderphonics e chopped n’ screwed, e um uso extensivo de samples dos anos 80 e 90. Compelido por uma nostalgia pelos dias precoces da internet, e um otimismo alvejado num futuro paradoxalmente retrô, Daniel Lopatin (mais conhecido pela persona Oneohtrix Point Never, égide do ambiente contemporâneo) lançava “Chuck Person’s Eccojams Vol. 1” num gênero que na época era chamado simplesmente de “eccojams”. Foi somente com o lançamento de “Floral Shoppe” da estadunidense Macintosh Plus (um dos vários nomes artísticos de Vektroid na cena vaporwave) que o nome “vaporwave” foi popularizado como substituto de “eccojams”. Floral Shoppe é, também, o trabalho mais facilmente reconhecido do gênero e, sem dúvidas o mais popular, alçado ao status de meme durante a década de 2010.

Chuck Person’s Eccojams Vol. 1 | Bandcamp

Durante os anos de 2011 a 2014, a cena vaporwave era caracterizada por um olhar anticapitalista, com foco no tédio da vida urbana moderna e nos espaços que o capitalismo perpetua: um dos subgêneros mais prolíficos do vaporwave é o “mallsoft” que imita características de jingles muito comumente tocados durante o dia nos shopping centers dos Estados Unidos. O uso de samples de propagandas da indústria de cosméticos e de empresas de tecnologia se faz muito comum, além de uma imagética que remete ao consumo rápido, mas que é transmitida de forma tranquila (trechos de propagandas de fast-food são destrinchados e reduzidos a uma cadência lentíssima, por exemplo).

Essa ideia é mais profundamente analisada nas estéticas do abandono e esquecimento — de produtos, lugares ou pessoas — que o sistema capitalista realiza. A demolição de shoppings no Midwest estadunidense, aquele refrigerante que já não está mais a venda, aquela loja que faliu mas fez parte da sua infância, o capitalismo permeia tudo e também desfaz de tudo, hora ou outra: e é aí que o vaporwave constrói suas críticas, nesse espaço de perda de algo que não deveria, mas se fez seu.

Algumas vertentes do vaporwave se encontram numa leva mais experimental, utilizando características do funk e do pop hipnagógico para criar ambientes sonoros riquíssimos, a exemplo de trabalhos de Saint Pepsi e Macross 82-99. Existe também um subgênero que se une a sonoridades trap, com ritmos feitos em bateria MIDI e uma cadência mais acelerada que a maior parte dos trabalhos do gênero.

Neo Tokyo Blue Mood de Subaeris (2014)

Ainda que as origens anticapitalistas do gênero sejam inegáveis, alguns grupos virtuais de extrema-direita tem, nos últimos cinco anos, subvertido a estética em memes e montagens visuais que perpetuam características fascistas. Numa tentativa de aplicar características de viral a ideias segregatórias e discursos de ódio, a extrema-direita destrói todo o trabalho de sátira e crítica ao lugar e cultura capitalistas, feito por pessoas muito maiores e com uma ética comparativamente não tão fluida. Mesmo que esse espaço procure uma ultrapolítica nociva às raízes do próprio gênero, o trabalho de reconquista da estética, capitaneado por nomes como death’s dynamic shroud, têm se fortalecido nos recentes dois anos.

Como o Vaporwave soa?

Uma mistura de samples lentos dos anos 90, linhas de baixo groove, repetições de vocais, jingles de propaganda, vozes de anunciantes de rádio, hi-hats de trap, slogans de fast-food, teclados de funk. Por vezes todos juntos num uníssono atordoante, ou separadamente num minimalismo que em sua lentidão, expressa o ócio e o amor — ainda que artificial — da produção em massa contemporânea. Vaporwave é, por exemplo, o jingle “Pepsi-man” da Pepsi, também um jingle de elevador corporativo, o jazz que é tocado nos momentos de espera num callcenter de uma telefonia qualquer. É o verso “I know your eyes in the morning sun” dos Bee Gees arrastado até quase parar e suas palavras virarem outras.

Indicações



Floral Shoppe
Macintosh Plus

O maior trabalho do gênero em popularidade. Não atoa, estabelece bem a estética do gênero com seus vocais sampleados e loops.

Formato: LP
Ano: 2011




High Fashion Mood Music
Eyeliner (Disasteradio)

Com características de synthfunk, esse álbum do neozelandês Eyeliner é considerado um dos mais dançantes dos gênero, enquanto ainda pode servir como trilha sonora de um programa de beleza de uma quarta-feira à tarde nos anos 90.

Formato: LP
Ano: 2012




Blank Banshee 0
Blank Banshee

Com o icônico recorte 3D em sua capa, Blank Banshee 0 é um dos primeiros exemplos de Vaportrap, com faixas mais enérgicas e com percussão.

Formato: LP
Ano: 2012




Computer Death
Infinity Frequencies

Numa pegada um pouco mais experimental, Infinity Frequencies utiliza de vinhetas em loop dentro de faixas curtas, cada uma com estilo próprio — desde samples de chopin até melodias muito minimalistas.

Formato: LP
Ano: 2013




ロストエデンへのパス
Nmesh & telepath テレパシー能力者

Dois titãs do gênero num longo álbum colaborativo. Para quem procura se aprofundar mais na estética, que aqui tem tom quase psicodélico.

Formato: LP
Ano: 2015
Pedro Piazza

Pedro, 21 anos. Cursa psicologia e tem uma quedinha pelas abordagens mais abstratas. Ama todos os tipos de arte e em especial a música, que guarda um lugar essencial em sua vida, principalmente as mais barulhentas. Parte da curadoria de MPB e hip-hop no Aquele Tuim

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