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Acho que para entender como chegamos a esse ponto da carreira de Katy Perry, com 143, temos que levar em conta os acontecimentos dos últimos 7 anos envolvendo a artista. Em 2017, Witness foi lançado, propondo uma temática mais séria, preocupada com a situação sociopolítica da época. No entanto, o desenvolvimento da era foi extremamente turbulento, inicialmente com certa antipatia por parte do público, que queria apenas que Perry fizesse músicas pop despretensiosas e criticava a superficialidade das letras do single principal, "Chained To The Rhythm". Depois, com a cantora tentando atingir esse público perdido, sem sucesso, com músicas com temáticas mais despreocupadas e que, dessa vez, não soavam tão genuínas quanto em seus trabalhos anteriores. Esse direcionamento confuso resultou em um disco com potencial mas que se mostrou insuficiente, justamente por não conseguir decidir entre manter a ideia original ou agradar o público.
Após o fiasco de Witness, Katy Perry decidiu se ater a um estilo pop despretensioso, que ela percebeu que funcionava melhor comercialmente. Isso levou a Smile, que, embora não tenha gerado debates tão fortes sobre o declínio do sucesso da estrela pop, naquele momento, muitos já tinham esquecido a cantora e, trazendo pouco para a indústria musical naquela época, este foi um disco decente, mas muito esquecível. O projeto anterior pode ter sido malsucedido em muitos aspectos, no entanto, não foi de forma alguma esquecido, pelo contrário, ficou marcado na cultura pop como um grande exemplo de uma era flop, enquanto Smile é apenas mais um álbum em sua carreira.
Embora seu álbum de 2020 tenha provado que o sucesso de Katy não é mais o mesmo, ela ainda parece estar tentando alcançar pelo menos o mínimo de números que Teenage Dream e PRISM alcançaram. Para isso, Katy convoca o nome responsável por suas produções de maior sucesso, Dr. Luke, para trabalhar em seu novo disco, 143. O produtor havia sido acusado de assédio sexual por Kesha, porém, desesperada por um hit, Katy parece ter pouca preocupação em trabalhar com um suposto agressor sexual se ele conseguir recriar a fórmula de sucesso que ela se beneficiou no passado.
As prévias do álbum apresentadas, com “WOMAN'S WORLD”, “LIFETIMES” e “I'M HIS, HE'S MINE”, mostraram um direcionamento desastroso, responsável por evidenciar que Dr. Luke, mais de 10 anos depois de Teenage Dream, não tem mais a mesma capacidade de criar dance-pops cativantes e com grande potencial, além de também demonstrar o péssimo tato de Katy em músicas nas quais as ideias em si já são péssimas, quanto mais e quem dirá a execução.
O primeiro single, “WOMAN'S WORLD”, também faixa de abertura do álbum, tem como principal problema ser construído a partir de uma estrutura antêmica, como se fosse um grande hino feminista. Isso é ruim, porque, na verdade, seu conteúdo lírico é tão superficial e insuportavelmente datado que parece, na verdade, é ridícula a tentativa de soar uma música grandiosa. “LIFETIMES” demonstra uma abismal falta de criatividade de Katy e seus produtores/compositores. A música se desenvolve quase que inteiramente através de seu refrão, que se repete incansavelmente sem sequer uma única mudança que a torne mais refrescante – não é uma escolha estética que chegue perto dos absurdos de Charli xcx em repetir a mesma frase trocentas vezes. “I’M HIS, HE’S MINE” aproveita as tendências do TikTok da pior forma possível: usa sample de “Gypsy Woman”, alinhando-se à onda de recriação de clássicos da dança dos anos 90, reduzindo seu andamento para soar como o efeito slowed + reverb, outra trend da rede social, que acaba tirando toda a energia vinda da faixa de 1991. A performance anêmica da dona do hit “Firework” deixa tudo ainda mais sem graça.
143 não é tão desastroso quanto os singles levaram a crer. O problema, no geral, não são as escolhas de produção completamente detestáveis ou composições muito mal escritas, no entanto, soa indigesto como o artista usa o artifício de apelar à nostalgia e capitaliza tendências atuais de uma forma extremamente pouco criativa no intuito de alcançar novamente às graças do público.
O renascimento da cena musical pop na era de ouro de Katy Perry garante os momentos mais aceitáveis da obra, pois, embora soem bem mais fracos que suas músicas daquele período, trabalham com referências que a artista tem maior domínio. “CRUSH”, uma das melhores músicas, traz sintetizadores de pluck pulsantes com um ritmo incessante que remetem às tendências do pop eletrônico europeu do início dos anos 2010 com o romanian popcorn. Ainda que Katy pegue muito do que deu certo para ela no passado, aqui o resultado é extremamente oco, sem substância. “WONDER” e “ALL THE LOVE” apelam para uma nostalgia muito vazia, com seus ganchos que lembram as eras PRISM e Teenage Dream e a produção que traz muito do festival progressive house e electro-house, subgêneros EDM muito populares na época, que, ainda assim, peca por aproveitar esses elementos-chave sem apresentar algo no mínimo adequado ao presente momento.
Esse é outro problema: quando Katy tenta se adaptar a sons mais atuais, que não se conectam bem com ela por motivos obviamente geracionais, o resultado é tão ríspido e insosso; tão saboroso quanto mastigar um comprimido de advil. Isso não acontece apenas com “I'M HIS, HE'S MINE”, mas também com diversas outras músicas como “GIMME GIMME”, em que Perry faz uma abordagem bem fraca do trap em termos de combinação, isso porque ela se volta fortemente para o hip hop, e não para uma inserção dessas referências dentro de um contexto pop, o que se encaixaria melhor; ou “GORGEOUS”, em que a participação de Kim Petras carrega a música inteira, já que a performance da artista principal é puramente sem alma. Mesmo que seja um pouco melhor do que se imaginava pelas prévias do disco, 143 é de longe o ponto mais baixo de sua carreira: Katy Perry usufrui de estilos que marcaram o passado de sua discografia, junto às tendências musicais recentes, ambos de maneira vazia e sem vida.
Selo: Capitol Records
Formato: LP
Gênero: Pop / Dance-Pop