Crítica | Cascade


★★★★☆
4/5

Muitos produtores de música eletrônica tendem a alcançar o topo do gênero baseando-se em uma definição simples de seu ofício. É um movimento natural, já que produzir música requer mais do que apenas habilidade ou uma presença bem organizada com suas marcas registradas e estilo no palco principal de algum festival. No entanto, há aqueles que vão além disso.

Floating Points, projeto de Samuel Shepherd, estreou em 2015 com Elaenia, um álbum que agora pode ser visto como um resumo perfeito de sua discografia, pois contém os principais elementos que o artista utilizaria em seus trabalhos posteriores: aspirações ao dance e ao jazz. O dance foi explorado em Crush (2019), e o jazz, em Promises (2021), seu trabalho definitivo em termos de propriedade artística – Shepherd se posicionou ao lado de Pharoah Sanders e da London Symphony Orchestra em um conjunto minimalista que transita livremente entre a eletrônica, o jazz e a dupla face da música ambiente que unia ambos.

Seu novo álbum, Cascade, dispensa a complexidade de suas interações com a música clássica, o jazz e qualquer outro projeto que tenha realizado nos últimos anos – como a composição de trilhas sonoras para o San Francisco Ballet. Aqui, a música eletrônica ocupa o centro do palco, entre suas imersivas modelagens de house e techno — meios que Shepherd utiliza para revisitar o passado ou avançar rumo ao futuro. O pano de fundo são suas experiências juvenis em Manchester, que se contrastam com sua vida adulta, agora vivida nos arredores do deserto californiano.

Além de suas qualidades musicais, Shepherd também ostenta um doutorado em neurociência. Essa informação corresponde exatamente ao tumulto que ele provoca em suas criações, usando seu laptop e pequenas quebras de expectativas, como acontece em “Afflecks Palace”. Nessa faixa, o ritmo parece se mover pelos trilhos de um trem que percorre um túnel mal iluminado, ofuscado por apagões e fechos de luz coloridos, ansiedade e desconforto.

Tais sensações fazem parte da experiência que Shepherd busca transmitir. É algo que remonta à sua estreia com Elaenia, impressionando pela força com que suas tempestades sintéticas brincam com o tecido da realidade – o começo de “Tilt Shift” arrastando um drone entre caixas convulsas dá a impressão de que estamos dentro da música, ou muito perto de sermos atingidos. Essa precisão denota mais do que o ofício de produzir e ser reconhecido por isso, é também a bagagem que Samuel Shepherd, de forma única, tem.

Selo: Ninja Tune
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / Experimental
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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