Crítica | Expedição a Terra do Funk


★★★★☆
4/5

MC FREITAS ZS não para nunca. Desde o começo do ano, a quantidade de discos que ele lançou daria para abastecer metade dos bailes de São Paulo por pelo menos dois anos. Ok, posso ter exagerado nessa afirmação, mas é de exageros que Expedição a Terra do Funk se trata e, portanto, não há como vê-lo sem recorrer ao sentido literal do seu nome.

FREITAS ZS explora vários dos signos estéticos do funk paulista, essencialmente aqueles que permeiam os arredores do Helipa. E, diferentemente do que havia feito em seus outros trabalhos lançados neste ano, a sampleagem de Expedição a Terra do Funk, em termos de referências pop distorcidas e propositalmente antiquadas, é feita com uma pontualidade que corresponde à apresentação original do EP como sendo autorreferencial, por vezes metalinguístico – como em “Beat Amazonico 2”, cuja temática focada no casarão e na conexão com o universo de Tarzan (“Vai, Jane do caralho o meu pau cê vai mamar”) serve apenas como desculpa para o uso incisivo da combinação variada de recursos de produção, que mais do que nunca soam fenomenalmente caóticos.

Essa expansão de absurdos é parte essencial da genialidade de FREITAS ZS, que não tem medo de usar alguns samples de forma caricatural. Porém, aqui, tudo parece fazer sentido – mesmo que antes esse sentido fosse inexistente. Por isso, os dezesseis minutos do EP são definitivamente utilizados ​​para acentuar um catálogo de beats próximos da alucinação, decorrentes de experiências voltadas unicamente para os bailes.

Exemplo disso é “Isca de Piranha”, com DJ SILVÃO, que mantém sua batida na mesma entonação repetitivamente porosa do começo ao fim, contida em um minimalismo que se tornou chave para o gênero através de explorações recentes, como as feitas pelo DJ Patrick R. Essa fusão de marcas vai além ao sobrepor elementos que dão energia à psicodelia constante, algo que está em voga na cena de SP hoje. Isso pode ser observado em outra versão, numa camada mais baixa, do beat bolha de “Mosquito Endiabrado”, em que uma manivela parece ser acionada a todo momento para nivelar o ruído metálico de fundo com o próprio efeito de bolha.

Mas nada, definitivamente nada, se compara ao auge dessa introdução de FREITAS ZS à terra do funk – pelo menos o funk presente nesta obra – que é “Passaros Safadinhos do Helipa”. Aqui, as mesmas características de “Beat Amazonico 2” são usadas: a referência popular, no caso, o canto da princesa Fiona (Shrek) quando encontra um passarinho em determinada cena do filme, e a literalidade com que se assume o uso dessa alusão. A realidade ofegante – e insânia – é apresentada da forma mais absurda possível, com a doce música da personagem animada e do pássaro sendo interrompida por um “Ah, passarinho do caralho”, e uma sequência explosiva e imprevisível que traz o melhor do beat assobio destruidor.

Mas o melhor fica para o final, com uma batida nivelada que se aproxima dos BPMs mais famosos do funk. Nesse ponto, a expedição à terra do funk começa a fazer sentido. É a representação didática do elo intertemporal que está inserido no movimento, e são poucos os DJs e MCs capazes de induzir essas passagens, entre passado e futuro, como FREITAS ZS faz aqui.

Selo: Game Records
Formato: EP
Gênero: Funk / Experimental
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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