Crítica | Iconoclasta


★★★★☆
4/5

No verso que abre a terceira faixa de seu novo álbum de estúdio, “Copa”, Matheus Who imediatamente constata que “daqui para frente, não posso mais errar”. É reflexo de quem sente o tempo passar rápido demais, que se assusta ao ver que já faltam menos de 100 dias para o Natal, que se sente nostálgico com frequência, relembrando a simplicidade de tempos vividos quando tudo era mais fácil. Matheus canta para alguém com “hiperfixação na adolescência”, mas não deixa de ser sobre o próprio. Inspirado pelo shoegaze, a produção etérea abraça o ouvinte enquanto percebe que o tempo está passando, quer queira quer não. Apoiado nessa ansiedade dos vinte e poucos anos, Matheus lança seu segundo álbum, Iconoclasta, sucedendo A Dobra do Espaço Tempo, de 2021.

O sentimentalismo da faixa é um traço contínuo no disco, como antecipado no primeiro single “Mais Nada”. Iconoclasta reflete em términos, crises de idade, sufocamento do trabalho, pertencimento e sentimentos conflitantes que rodeiam uma geração que sofre com doomscrooling, bedrotting, situationships e outros vários termos americanizados que, no fim das contas, todos se traduzem como ansiedade.

Uma grande qualidade da escrita de Matheus é a especificidade nas composições, algo que carrega desde seu primeiro EP. O tom diarístico na lírica pode ser perigoso e tornar as canções menos identificáveis, mas aqui funcionam perfeitamente, e aproximam o ouvinte. Parte do projeto reflete no seu entendimento de pertencimento, tanto emocional quanto físico, e como ele recorre à sua memória geográfica para compor. No disco, há referências a Botafogo e Copacabana, ambos bairros do Rio de Janeiro, e a Curitiba, onde mora atualmente. A faixa “Ei, Menino”, que soa como uma auto análise ao invés de uma autocrítica, busca entender sua mudança para outro estado e a saudade de casa.

Embora a melancolia seja predominante aqui, ela não o isenta de produções divertidas e eletrizantes, como na faixa título, em que Matheus impõe sua voz de forma inédita e totalmente apropriada, e “Caras Bonitas”, que traz um conflito com sua sexualidade. “Não Deixe O Nosso Amor Acabar” é uma mid-tempo deliciosa, que entrega uma das melhores composições do disco, assim como a balada “Anna”. Muito influenciado pelo indie pop e bedroom pop de nomes como Phoebe Bridgers e Clairo, ainda é possível perceber raízes e influências brasileiras nas produções que delineiam a obra, como a cena alternativa local e bossa nova.

Matheus Who consegue emergir de toda a ansiedade com um senso de perspectiva preciso e ácido, e às vezes engraçado (“Sei que essa fumaça saindo dos meus pulmões não vai deixar eu chegar na hidroginástica”) e certamente criativo (“Coloquei sabão demais na nossa esponja”), e entrega um disco coeso e fluido; uma ótima experiência do começo ao fim. Em “Ei, Menino”, Matheus reflete sobre seu processo cantando “grandes merda sua vida, grandes merda esse seu disco”. Tal desdém deve ser completamente descartado. Iconoclasta é um aprimoramento notável de seu trabalho com arranjos divertidos, tocantes e refinados, reflexões geracionais pontuais e vocais aconchegantes. O acolhimento perfeito para adolescentes expirados e adultos em negação.

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Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Pop / Indie Pop, Alternativo
João Agner

joão agner (2003) é escritor e graduando de jornalismo. Escreveu sua primeira história aos oito anos, e tem explorado diversos formatos desde então, como não ficção e poesia. Decidiu que queria ser jornalista e falar de música quando ouviu o disco "Melodrama", de Lorde, pela primeira vez.

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