Crítica | Topo da Minha Cabeça


★★★★☆
4/5

A magia da música brasileira transcende espaços, nos levando a imaginar diferentes visões musicais do Brasil que jamais imaginaríamos sem a arte de produzir, cantar e compor. O Brasil da Tropicália, por exemplo, com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes e Gal Costa, construiu uma visão artística de uma sociedade brasileira revolucionária e vivaz, cada uma com seus aspectos distintos de musicalidade que percorriam marcas do samba e do rock. Depois de algumas décadas, ainda vemos diferentes visões do Brasil, dessa vez no rap, no funk e em outros estilos. Mostrar essa visão do Brasil também é o que Tássia Reis faz em seu último álbum de estúdio, Topo da Minha Cabeça, onde faz referência e homenageia artistas renomados do samba e da música brasileira.

O LP começa com a faixa-título “Topo da Minha Cabeça”, uma colaboração com o produtor Barba Negra que mistura soul com percussão de Alex Culin e teclado de Deusnir Souza, o que, resumidamente, já demonstra do que se tratará este álbum: uma viagem entre elementos clássicos da discografia de Tássia com aspectos carregados de brasilidade. A música transita gradativamente do neo-soul e se junta com percussões mais acústicas, com letras que transmitem a mensagem de amar e reconhecer a beleza de si mesmo por dentro e por fora.

Ao longo do obra, vemos mais elementos do samba aparecendo, sejam efeitos sonoros típicos ou alguns instrumentos que remetem diretamente às raízes do gênero, como a deliciosa e contemporânea “Asfalto Selvagem”, produzida por Pizzu e Tássia Reis. A música começa com instrumentação de samba e logo muda para baixo, violão, bateria e teclado – um R&B contemporâneo com grandes movimentos de samba que lembram clássicos de Luiz Melodia.

“Nós Vestimos Branco” tem, para mim, a melhor composição do álbum. A faixa é puramente ensolarada, abordando a tradição do Candomblé de se vestir de branco para celebrar as sextas-feiras, dia de Oxalá, o pai de todos os orixás. O objetivo é atrair boas energias e proteção. Tássia também menciona, no refrão, pedir respeito à sua religião, mesmo que você não a entenda.

As sextas nós vestimos branco
Por causa de Oxalá
Mesmo que não entenda tanto
Que aprenda a respeitar

As parcerias cantadas em Topo da Minha Cabeça não acrescentam muito ao conjunto geral, apesar de serem boas. "Só um Tempo", com Criolo, traz o samba em toda sua glória, com o refrão sendo repetido algumas vezes, o que sinceramente, dentro do contexto do gênero e da produção, não me incomoda. Pelo contrário, enriquece o universo criado por Tássia Reis para este LP. Falando em samba, "Sol Maior" é nostálgica na dose certa, produzida novamente por Pizzu, vemos uma Tássia mais romântica, usando um jeito delicioso de cantar que nos remete aos sambistas clássicos dos anos 1960 e 1970.

O álbum ainda contém a maior força de Tássia: o rap. "Previsível" e "Rude" são faixas que, além de não se encaixarem tão bem no produto final, guardam o ponto mais fraco deste álbum: ambas usam o rap como artifício de produção, o que não significa que sejam ruins, mas com a forma como as músicas anteriores foram construídas aqui, é como se tivéssemos tomado um caminho completamente diferente.

Topo da Minha Cabeça, de Tássia Reis, foge da visão hegemônica de um Brasil conhecido lá fora, mirando portanto num Brasil vivido, cultural e cheio de pluralidade. A obra é o projeto mais coeso da artista até hoje, conseguindo misturar a arte do neo-soul, do R&B contemporâneo com o samba majestoso que já conhecemos. Em suma, o álbum é um grande, expansivo e, ao mesmo tempo, simples projeto que mostra o que grandes mentes como Pizzu e Tássia conseguem fazer juntas, exaltando nossa brasilidade. É como ela canta em seu último verso da faixa “Ofício de Cantante”:

Salve o Rap
Salve o Hip Hop
Salve as Arquitetas da Música Brasileira
Salve Jovelina Pérola Negra,
Salve Clementina de Jesus
Salve Leci Brandão
Salve Dona Ivone Lara
Salve o Samba!!!

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Música Brasileira / Neo-Soul, Rap
Lu Melo

Estudante de Jornalismo, 18 anos. Amante da música e da cultura pop desde a infância. Escreve para o Aquele Tuim, integrando a curadoria de R&B e Soul.

Postagem Anterior Próxima Postagem