Opinião | Videoclipes estão mortos: a era do visual chegou ao fim


Recentemente, Beyoncé concedeu uma entrevista à revista QG para divulgar seu mais novo empreendimento, o “SirDavis”, sua marca de uísque. Durante a conversa com o jornalista Franzier Tharpe, uma das perguntas abordou a ausência de produções audiovisuais — um elemento reconhecido como marca de sua carreira — em seus dois trabalhos mais recentes, RENAISSANCE (2022) e COWBOY CATER (2024). Essa ausência foi notada. A cantora respondeu:

Achei importante que, em uma época em que tudo o que vemos são visuais, o mundo pudesse se concentrar na voz. A música é tão rica em história e instrumentação. Leva meses para ser digerida, pesquisada e compreendida. A música precisava de espaço para respirar por si só. Às vezes, um visual pode ser uma distração da qualidade da voz e da música. Anos de trabalho duro e detalhes são colocados em um álbum que leva mais de quatro anos para ser finalizado! A música é o suficiente. Os fãs de todo o mundo se tornaram o visual. Todos nós ganhamos o visual na turnê. Então, ganhamos mais visuais do meu filme.

Essa entrevista me fez repensar o consumo de videoclipes no cenário atual. É curioso ver uma artista como Beyoncé, cuja carreira foi marcada por visuais icônicos, expressar uma opinião assim. Claro que o fato de a entrevista ter sido feita por e-mail ajudou a formular respostas mais bonitas e bem pensadas. No entanto, falando de maneira direta, hoje em dia videoclipes não trazem retorno financeiro nem midiático.

Mas nem sempre foi assim. A cultura dos videoclipes na música pop começou com o lançamento “Thriller”, de Michael Jackson, em 2 de dezembro de 1983, consolidando os clipes no universo da cultura pop. A estreia aconteceu na MTV, canal que viria a ser crucial para criar e consolidar a imagem de muitos artistas.

Então, os videoclipes estão em decadência? Existem várias respostas. A primeira é que NÃO, o visual em si não está em decadência. O que ocorreu foi uma mudança no formato. O que muitos de nós, com idades entre 18 e 50 anos, reconhecemos como videoclipe — como Thriller — já não é o formato dominante. Hoje, com o advento do TikTok e a popularização do visualizer, é mais econômico e prático criar um vídeo vertical com algum visual marcante e usá-lo como material promocional. Com as plataformas de streaming, grandes produções se mostram uma perda de tempo e dinheiro, pois o consumo de música se dá principalmente por faixas isoladas. A estratégia de marketing agora envolve autoplay e inserção paga nas principais playlists das plataformas, e isso é suficiente para divulgar a música.

Outra resposta é o nosso saudosismo. O que sentimos falta são produções visuais impactantes, como o clipe de “Telephone”, de Lady Gaga em parceria com Beyoncé. Quem assistiu lembra onde estava e o que estava fazendo na primeira vez que o viu. Hoje, a tendência é o fortalecimento de nichos — algo que, de certa forma, é contraditório —, impulsionado pelas plataformas de streaming. Mesmo artistas que dominam essas plataformas muitas vezes não são conhecidos de forma unânime entre os usuários. Não há mais artistas consumidos por todas as bolhas; esses novos métodos de consumo criam uma seletividade maior. Muitas vezes, nos mantemos presos ao que já conhecemos e ouvimos regularmente.

Por fim, existe uma resposta mais pessimista — e, ao meu ver, a mais verdadeira: sim, os videoclipes estão definitivamente em decadência. O que antes era um elemento crucial para a construção da identidade visual e artística de grandes nomes da música hoje é visto como um recurso caro e, muitas vezes, dispensável. As plataformas de streaming — além das redes sociais com novas configurações de videos verticais —, com sua lógica voltada para o consumo rápido e fragmentado, são as principais responsáveis por essa mudança, que reduziu a ideia de visual a pequenos trechos de poucos segundos, efêmeros e descartáveis. Com o foco no consumo de faixas individuais e a publicidade voltada para playlists e algoritmos, a experiência de um clipe robusto, narrativo e esteticamente trabalhado não faz mais sentido. O retorno financeiro é quase inexistente, e o impacto cultural parece cada vez mais diluído. A tendência é que, no futuro, a produção de videoclipes seja ainda mais rara e restrita a artistas que realmente se importam com o valor artístico de suas criações. Serão poucos os que estarão dispostos a desafiar essa lógica de mercado e investir em visuais que dialoguem com suas músicas de maneira profunda. Os que o fizerem, sem dúvida, estarão em uma posição de resistência artística, mas é improvável que consigam reverter o curso atual. O que nos resta é observar a queda de um formato que, outrora, marcou gerações e consolidou carreiras — um formato que, hoje, agoniza diante de uma indústria que prioriza o que é rápido, barato e viral.

Uma aposta para o futuro é que veremos um aumento significativo na produção de filmes que compilam turnês, um formato que já está começando a se consolidar como alternativa aos videoclipes tradicionais. Esse novo tipo de produção audiovisual, que mistura performance ao vivo e elementos documentais, parece ser a resposta mais viável para a demanda por visuais, sem incorrer nos altos custos e no esforço massivo de produção que os videoclipes exigem. Vimos isso de maneira clara com Renaissance: A Film by Beyoncé, onde a artista não apenas documenta sua turnê, mas também utiliza o filme como uma extensão visual do álbum, oferecendo uma narrativa mais ampla e reduzindo os prejuízos financeiros que a produção de videoclipes individuais poderia causar.

Esse formato é muito mais lucrativo e atrativo para as estrelas do pop, já que transforma um evento ao vivo em um produto de longa duração, capaz de alcançar audiências que não puderam comparecer aos shows. Além disso, os filmes de turnê oferecem um apelo emocional mais intenso, conectando os fãs diretamente à experiência ao vivo — algo que o videoclipe, por sua natureza fragmentada, já não consegue fazer tão bem. Taylor Swift seguiu o mesmo caminho com Taylor Swift: The Eras Tour, que não só celebra sua carreira multifacetada, mas também consolida a ideia de que o espetáculo ao vivo pode ser reembalado como uma experiência visual completa e lucrativa.

A tendência parece clara: à medida que os videoclipes se tornam menos relevantes e rentáveis, a gravação de turnês e sua transformação em grandes produções cinematográficas será uma aposta cada vez mais comum entre os grandes nomes da música. Isso cria uma oportunidade dupla — tanto de capitalizar em cima da força da performance ao vivo quanto de criar uma experiência visual mais robusta, que dialogue com a obra musical de forma mais ampla. Ao mesmo tempo, reduz o risco de perda financeira, uma vez que o conteúdo já está pronto, precisando apenas de edição e pós-produção. Assim, os artistas conseguem entregar aos fãs uma espécie de "presente visual" que complementa sua música sem os altos custos e o esforço descomunal de criar videoclipes isolados para cada faixa.

Essa transição reflete uma mudança maior no consumo cultural, onde os eventos ao vivo e as experiências imersivas estão tomando o lugar de produtos mais fragmentados. No entanto, ao mesmo tempo que essa tendência oferece uma nova forma de engajamento, ela também sinaliza a possível extinção de videoclipes como os conhecíamos, reforçando ainda mais a ideia de que estamos caminhando para um cenário onde o visual, embora presente, estará cada vez mais vinculado à performance e ao entretenimento, e menos à arte pura e criativa que os videoclipes um dia representaram.

A conclusão inevitável que podemos tirar desse cenário é que estamos testemunhando o fim de uma era na música pop. O videoclipe, antes um pilar na construção de ícones e na conexão profunda entre artista e público, foi relegado a um papel secundário, quase irrelevante. As mudanças no consumo de música, impulsionadas pelo imediatismo e pela superficialidade das plataformas digitais, trouxeram uma padronização do conteúdo visual, sem a profundidade ou impacto que grandes videoclipes outrora tinham. Estamos vendo um futuro onde o efêmero e o descartável dominam o campo da arte visual na música, deixando para trás o compromisso com a criação de algo duradouro.

O que está em jogo não é apenas a forma de consumir música, mas também o que a arte representa para a cultura como um todo. Ao priorizarmos a rapidez e o que é mais facilmente consumido, sacrificamos o valor de experiências que exigem mais tempo e atenção. E o resultado disso é a perda de um componente essencial da música como arte: a narrativa visual que complementa e enriquece a obra. Se continuar assim, estaremos caminhando para um futuro em que os grandes marcos culturais serão substituídos por fragmentos esquecíveis, incapazes de deixar uma marca profunda.

Essa transformação no cenário musical parece irreversível, e aqueles que ainda investem em visuais robustos são exceções. Mas a realidade é que, para a maioria, o videoclipe tornou-se obsoleto, e sua importância está se dissolvendo rapidamente. No final das contas, essa mudança reflete algo mais amplo: uma sociedade que valoriza o que é rápido e fácil em detrimento do que é cuidadosamente trabalhado e memorável.
Antonio Rivers

Me chamo Antonio Rivers, graduando em História, amazonense nascido em 2006. Faço parte da crítica e curadoria do AqueleTuim, com foco nos gêneros de R&B, Soul, Experimental e Eletrônico.

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