Clássicos do Aquele Tuim | El Mal Querer (2018)



★★★★★
5/5

Em 2018, o mundo da música foi presenteado com o segundo álbum de ROSALÍA, El Mal Querer. Originalmente, o projeto começou como um trabalho de conclusão de curso (TCC) da artista espanhola, mas acabou marcando a música hispânica de forma permanente. El Mal Querer conta a história de uma mulher presa em um relacionamento abusivo e foi inspirado no romance medieval Romance of Flamenca. Cada faixa do álbum representa um capítulo da obra, tornando o disco envolvente ao combinar ritmos modernos com o flamenco, enquanto levanta temas como a toxicidade em relações amorosas. O sucesso do álbum foi tanto que o romance original voltou a ganhar relevância, graças ao debate sobre violência de gêneros e o poder feminino que a obra de ROSALÍA abordou.

Além de atrair atenção para a literatura, ROSALÍA também revitalizou o interesse do público mais jovem pelo flamenco, uma tradição musical de sua terra natal, a Espanha. Em El Mal Querer, elementos desse estilo se entrelaçam com batidas contemporâneas de pop e R&B. As palmas ritmadas, os vocais característicos do flamenco e as influências urbanas formam um encontro entre o clássico e o moderno, que fez do disco um marco na atualidade, revelando uma artista pronta para dominar o cenário global e influenciar outros músicos.

As letras do álbum são tão poderosas quanto a sua narrativa. O disco começa com "MALAMENTE (Cap. 1: Augurio)", faixa que lançou Rosalía ao mainstream internacional. Nela, a cantora combina batidas de trap com flamenco, enquanto a letra fala sobre um pressentimento negativo da protagonista em relação ao seu relacionamento. Em seguida, "QUE NO SALGA LA LUNA (Cap.2: Boda)", explora as raízes mais puras do flamenco, distanciando-se das tendências pop. A letra aborda o casamento tradicional, com uma visão que mistura a pureza do amor com as ameaças de possessividade e controle do noivo.

"PIENSO EN TU MIRÁ (Cap.3: Celos)" é uma das favoritas dos fãs e retrata o ciúme sufocante que transforma o amor em uma forma de obsessão. Já "DE AQUÍ NO SALES (Cap.4: Disputa)" representa a escalada da tensão no relacionamento, simbolizada por uma sonoridade mais agressiva. O casal entra em uma disputa que termina em violência física, refletindo a gravidade do relacionamento. "RENIEGO (Cap.5: Lamento)" traz a protagonista refletindo com arrependimento e tristeza, lamentando o estado em que sua relação chegou. A melancolia da faixa captura com perfeição o sentimento de desesperança e dor.

Em "PRESO (Cap.6: Clausura)", a protagonista se vê emocionalmente aprisionada nesse ciclo abusivo, sentindo-se incapaz de escapar. A música cria uma sensação claustrofóbica, traduzindo essa angústia. "BAGDAD (Cap.7: Liturgia)", por sua vez, representa o colapso emocional, com um sample da música “Cry Me a River”, de Justin Timberlake, acrescentando profundidade ao seu sentimento de solidão. "DI MI NOMBRE (Cap.8: Éxtasis)" é um dos grandes destaques do álbum, com suas influências ciganas e um flamenco pop irresistível. A canção expõe o momento de êxtase sexual, quando a protagonista só se sente valorizada durante a intimidade física. O videoclipe da música também chamou atenção por se inspirar na obra La maja desnuda, de Francisco de Goya.

"NANA (Cap.9: Concepción)" cria uma atmosfera celestial, simbolizando o renascimento emocional da personagem principal da narrativa ao som de uma canção de ninar que, na sequência, "MALDICIÓN (Cap.10: Cordura)", busca uma saída desesperada para o relacionamento abusivo, refletindo sobre sua saúde mental. A canção culmina na resolução extrema da história: a protagonista mata o homem que tanto a fez sofrer, em uma cena que provoca sentimentos fortes, enfatizados pelos sons de esfaqueamento na faixa.

Por fim, o álbum se encerra com "A NINGÚN HOMBRE (Cap.11: Poder)", onde a protagonista proclama sua libertação e promete que nunca mais será dominada por nenhum homem. Mesmo com a sensação de alívio, ela reconhece que as cicatrizes dessa relação tóxica permanecerão com ela, como uma tatuagem em sua pele. El Mal Querer é, definitivamente, um dos álbuns mais inovadores dos últimos anos, deixando uma marca global tanto na música quanto na literatura espanhola. ROSALÍA conseguiu combinar tradição e modernidade de forma excepcional. Sua voz única e os temas densos e universais tornam o disco uma obra-prima. Ela se consolidou não apenas como uma estrela pop, mas como uma das artistas mais criativas e ousadas de sua geração.

Selo: Columbia
Formato: LP
Gênero: Pop / Flamenco, Música Latina/Hispanófona
Vit

Sou a Vit, apaixonada pelo universo musical desde que me entendo por gente, especialmente por vocais femininos. Editora sênior e repórter no Aquele Tuim, onde faço parte das curadorias de Música Latina/Hispanófona e Pop.

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