Clássicos do Aquele Tuim | Manga (2019)



★★★★★
5/5

Existe uma força indissociável que Mayra Andrade carrega consigo: é a força da leveza, da espontaneidade, do acalento. Isso se traduz na sua relação com o público, já que ela é uma das artistas cabo-verdianas mais consagradas ao redor do mundo. Apesar de seus quatro discos anteriores revelarem essas características, é em Manga, lançado em 2019, que a cantora consegue se transpor com mais autenticidade. É curioso notar que sua trajetória artística e seus anos vivendo em Paris foram primordiais nesse projeto — principalmente, no que ele não se tornou.

Manga é daqueles álbuns ultra solares: você consegue sentir o calor emanar nas vísceras. Essa sinestesia também pode se estender ao paladar, ao tato, já que a fruta que o nomeia é doce, carnosa, suculenta. Vivendo na capital francesa, Mayra definitivamente não conseguiria trazer esse frescor, tão tropical e tão genuíno, então ela finalizou as gravações em Lisboa.

No entanto, o coração desse disco está fincado em Cabo Verde. Mayra Andrade já disse que ela precisa “sentir fome de fazer música”, e não há espaço mais prolífico para isso que a nossa própria terra natal. É dessa forma que gêneros tipicamente cabo-verdianos, como a morna, o funaná, a coladeira e o batuque, conduzem e se apossam das trezes músicas presentes no disco. A decisão de se dividir entre português e crioulo, suas línguas nativas, também reforçam essa prerrogativa.

“Afeto” inicia o projeto da maneira mais linda possível, como um abraço quente e apertado — sendo brasileiro, ouvir o sotaque da Mayra apenas nos deixa ainda mais rendidos por ela. Já “Festa Sto Santiago” o finaliza em celebração, mas mantendo uma certa calmaria, como se estivéssemos dançando coladinhos com a música. Porém, o grande destaque vai para “Vapor di Imigrason”, que consegue, com tão pouco, retratar a complexidade do povo cabo-verdiano com a violência colonial, com a imigração e, principalmente, com a esperança e com o orgulho que carregam no peito. É fortalecer e, como eu já disse antes, bastante simbólico.

Manga é um daqueles discos que impregnam a nossa alma. Mais que o seu melhor trabalho e um marco contemporâneo para a morna, é um trabalho em que ela mais está à vontade para revelar sua verdadeira face das formas mais belas possíveis. Uma verdadeira joia, que torna impossível a possibilidade de não se apaixonar por Mayra Andrade.

Selo: Sony
Formato: LP
Gênero: Música do Continente Africano / Funaná, Morna, Coladeira

Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com enfoque em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor adjunto do Aquele Tuim, integrando a curadoria de Música do Continente Africano.

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