Crítica | Blowhole



★★★☆☆
3/5

Em diversas cenas da música eletrônica, existe um senso genuíno de expressão das facetas mais degradantes da experiência humana: o ruído, as distorções e o frenesi de proposições sintéticas, muitas vezes, traduzem a complexidade da amálgama desses sentimentos que não conseguiriam se discorrer de outras formas.

Blowhole, novo trabalho de Andras_2020, é enxuto, com menos de quinze minutos, mas se apossa dessa máxima e aproveita as suas enésimas possibilidades de criação. Seu título é tão provocador quanto sugestivo, e aponta para o ponto zero do seu processo criativo: o período de recuperação de suas três cirurgias retais. A vulnerabilidade exposta é tanta que chega a ser tateável.

As texturas metálicas e a aspereza dos elementos conseguem transmutar a vergonha e o tormento vivido por Andras_2020 — e se considerarmos que elu é DJ, dançarino e artista performático da cultura club alemã, também há a reflexão inevitável sobre incapacidade. “Gestation”, abertura do projeto e parceria com Sarahsson, consegue recriar o ambiente de uma sala de cirurgia, enquanto “Sofrimento” se forja como simples desabafo, mas expande suas características nos segundos finais.

No entanto, Blowhole se constitui primariamente como espaço de contraste, já que a dor não consegue inibir a expressão do prazer anal, tão feroz e fundamental quanto. E o contraste parece ser o que Andras_2020 quer levar como legado e característica principal do seu corpo de trabalho, já que essa é a principal liga deste com Cuerpo Temperamental — seu projeto anterior, com bases sonoras sólidas no neo-perreo e no baile funk. Uma precisão de intenção implacável, e que metaboliza o tônus formador de Blowhole.

Selo: Rest Now!
Formato: LP
Gênero: Experimental e Eletrônica / Deconstructed Club
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com ênfase em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor do Aquele Tuim, contribuindo com a curadoria de Música do Continente Africano.

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