Crítica | Caravans of Ether


★★★★☆
4/5

Enquanto recurso estético e narrativo, as paisagens sonoras têm muito a oferecer para a música eletrônica e experimental; transcende as suas definições de campo de estudo, como análise da articulação de sons que envolve um ambiente natural ou antrópico, e passa a constituir significados artísticos a partir da manipulação desse próprio espaço. Há explorações bem consistentes quando se pensa em gêneros como o musique concrète e o electroacoustic, mas essa possibilidade permanece subaproveitada na música ambiente.

Hedon parece estar interessado nessa ideia em Caravans of Ether — ao menos, em transformá-la no escopo de suas próprias definições. É um projeto envelopado pelo mistério, apesar da sua pretensão muito clara: acompanhar uma caravana de peregrinos nômades ao longo do deserto do Marrocos, em que cada faixa representa uma parada diferente dessa jornada. Como Hedon é fotógrafo, DJ e produtor ativo em coletivos musicais do Marrocos, existe um cruzamento dessas linguagens na sua gênese. É assim que ele o descreve:

The embrace of one's solipsistic gesticulations bringing form to formlesness, phenomenon to noumenon, finite to infinite.

Em apenas seis peças, a extensão do deserto marroquino é explorada de forma avassaladora. Com sons tão sinestésicos, é possível sentir a dureza e a aridez das dunas, assim como os ventos gélidos que sopram pela noite. “Hana'e Faregh Wara'e Hadihi Al​-​Ard Al​-​Qahila ه​ن​ا​ء ف​ا​ر​غ و​ر​ا​ء ه​ذ​ه ا​ل​أ​ر​ض ا​ل​ق​ا​ح​ل​ة” sintetizam os sentimentos que vão nos atravessar durante a viagem, enquanto “Attat'hir ا​ل​ت​ط​ه​ي​ر” indica que há segredos escondidos e rituais esquecidos que pairam pelos ares.

É possível dizer que Caravans of Ether é um exercício de paisagem sonora, mas seria reducionista encará-lo apenas dessa forma. Como uma experiência soturna e que atinge nossos sentidos, seu principal valor está no não-palpável, onde as palavras não conseguem chegar. Implacável, eu diria.

Selo: Rhadâb غضب
Formato: EP
Gênero: Música do Continente Africano / Ambiente, Drone, Experimental
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com enfoque em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor adjunto do Aquele Tuim, integrando a curadoria de Música do Continente Africano.

Postagem Anterior Próxima Postagem