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Após a explosão (e decadência) da Griselda e do drumless, o Brasil tentou, repetidas vezes, adaptar a sonoridade ao português e aos maneirismos da nossa tradição hip hop. Uma das maiores dificuldades de adaptação consiste na grande sensibilidade e habilidade exigidas pelo gênero para que não se deixe a impressão de pouca inspiração — é fácil soar repetitivo tendo só um instrumento e uma só estética.
É como uma maratona que, após anos de seu início, continua sem ganhador. Até agora, o melhor novato que apareceu nessa onda de lírica abstrata é yung vegan, embora não realmente adapte o drumless ao país, apenas integre uma estética similar. Isso não significa, porém, que não exista sangue velho na disputa. Na verdade, o sangue velho é quem está mais próximo de ganhar.
Deus e o Diabo na Orgia do Capital é a colisão entre um dos passados e um dos futuros do rap brasileiro; tanto já foi tentado, ainda sim, nada parece tão derradeiro. Este epítome da teoria do drumless, proposto pelo clássico parceiro abstrato de Makalister, Beli Remour, demonstra, como nenhum outro projeto brasileiro, a capacidade de atingir outros planos de existência do rap.
Em seus instrumentais, Beli Remour focaliza imagens distantes, sejam elas um escuro mar de negras carpas ou as farroupilhas douradas de nossas foscas almas. Em suas falas, a habilidade lírica do rapper é posta em completa sintonia com a estética do álbum, não utilizando de tecnicalidades como forma de aumento de ego ou de demonstração de poder. Suas palavras são os atores principais da peça da degenerescência, enquanto os beats são os deprimentes cenários em que os simulacros da realidade ganham (ou perdem) vida.
Comparativamente, tanto o Brasil quanto a Griselda da atualidade não atingiram a excelência e morbidez de Deus e o Diabo na Orgia do Capital. É um disco repleto de símbolos, letras e mundos intangíveis. Ouvi-lo é sentir um lento tráfego de fantasmas passando por seu corpo; é abdicar de sua humanidade por alguns minutinhos. Já virou a nova régua de qualidade para quaisquer próximos projetos de drumless não somente do Brasil — que tenho certeza que vai ser superada pela Sujoground, em algum momento —, mas do mundo como um todo.
Selo: Mondé
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Abstrato, Drumless