Crítica | ELÃ



★★★★☆
4/5

Em seu disco de estreia, Reiner deixa explícito a sua vontade intrínseca de querer derrubar as convicções prévias e transformar as percepções do ouvinte sobre o Pará e a Amazônia. ELÃ é tudo o que as tentativas sudestinas de estereotipação regional mais temem: o tato genuíno e consciente sobre a sua própria vivência e realidade.

Além de trazer questões urgentes que atravessam todas as pessoas que são e vivem na região amazônica, como a falácia da meritocracia e o colorismo (abordado em “cor”), Reiner quer tratar de afetos: afetos políticos, afetos pessoais, afetos com o lugar. O disco começa com “GATILHEIRO”, que homenageia e traz a energia de Quintino Gatilheiro, figura importante na luta contra a grilagem no interior do Pará e, considerado por muitos, o último cabano, e se encerra com a regravação de “Coisa de Louco”, brega de Robson que entoa pelas ruas e bares de Belém — e que, no disco, transcende o seu significado romântico e se torna uma carta de amor profundo à cidade, ao lugar que Reiner nasceu, cresceu e segue vivendo.

Esse início e fim, tão significativos e profundamente emocionais, são amarrados por um miolo de outras nove faixas que brincam e articulam diversos aspectos de ser amazônido, identidade essa que o artista tem orgulho de se identificar. Entre parcerias com nomes como Jayme Katarro, Bruna BG e Iris da Selva, muitas possibilidades sonoras são apresentadas, como carimbó, tamborzão, congo e samba. Quanto aos afetos políticos, “¿brasil PROFUNDO”, que adiciona um beat ao poema de Eliakin Rufino, fala por si só:

Não há Brasil profundo / Brasil profundo foi inventado por quem pensa raso / Teóricos da superfície / Acadêmicos urbanos, intelectuais do asfalto

Brasil profundo somos nós / Nortistas, indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos, povos da floresta…

A estreia de Reiner é um trabalho vibrante pela sua natureza astuta e sua convicção, que propõe uma riqueza temática e um intercâmbio entre gêneros caracteristicamente amazônicos. ELÃ é, acima de tudo, força vital.

Selo: Caquí
Formato: LP
Gênero: MPB, Pós-MPB e Música Brasileira
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com enfoque em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor adjunto do Aquele Tuim, integrando a curadoria de Música do Continente Africano.

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