Crítica | Kampire Presents: A Dancefloor in Ndola



★★★★☆
4/5


Nas últimas décadas, existe um movimento de restauração e resgate de uma música africana perdida. Como um desdobramento de apagamento cultural, fitas e faixas de artistas diversos se perderam, e têm sido cada vez mais comum que selos estadunidenses e europeus tenham como atividade principal a recuperação desse acervo. O caso mais emblemático, talvez, seja do Awesome Tapes From Africa — Brian Shimkovitz criou o site em 2006, depois de ter passado uma temporada com uma bolsa de estudos em Gana, com o ímpeto de compartilhar a riqueza musical que tinha descoberto… hoje, apesar de ainda conter essa ideia inicial de compartilhamento, sua função principal é como gravadora.

Porém, o que Kampire faz na sua nova compilação é algo que foge totalmente dessas implicações. Nascida no Quênia e com pais ugandenses, ela é um dos grandes nomes efervescentes da cena musical de Uganda na última década, com uma constituição sólida na sua carreira de DJ e um dos carros-chefes do Nyege Nyege Festival. Apenas com essas informações, já é notável perceber o grande senso curatorial que ela possui com os sons e as músicas de África, já que seus sets são construídos também em uma perspectiva histórica, contemplando esses grandes gêneros e artistas.

O grande fio condutor de Kampire Presents: A Dancefloor in Ndola é a infância da DJ. Ao passar esses anos em uma das maiores cidades da Zâmbia, ela desenvolveu uma relação afetiva muito forte com a música do país. Aqui vemos treze músicas que foram a sua trilha sonora dessa época, e que é um projeto quase cartográfico. É catártico notar como a kalindula, tipo de baixo muito popular no país, marcava presença, assim como entender essa conversa da música zambiana com gêneros de outros países da África Oriental, como a rumba congolesa.

Kampire evoca as grandes lendas femininas da época, como Feza Shamamba e Di Groovy Girls, enquanto explicita como a afetividade com a sua formação musical é parte indissociável do DNA musical que compõe seus trabalhos — e mais do que isso, como essa é uma característica comum à artistas africanos contemporâneos. É como ela mesma fala: 
 
It is important for me to continually reference Africa’s own musical history. At 17, I didn’t pick up on my Dad’s music but now I love and collect those records. I’m constantly referencing them in my music sets today. I love that feeling of shared nostalgia where people recognise a song they haven’t heard in a long time. It is a touchstone for me when I’m playing.
 
Selo: Strut
Formato: Compilação
Gênero: Música do Continente Africano / Soukous, Rumba, Eletrônica

Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com enfoque em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor adjunto do Aquele Tuim, integrando a curadoria de Música do Continente Africano.

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