Crítica | Maggot Mass


★★★★☆
4/5

O humanismo é, indubitavelmente, o grande responsável pela atual ideia da separação humano-animal. O iluminismo propagou isso muito bem, tanto politicamente quanto dentro da sua própria filosofia, através da sua concepção de metafísica. Claro que pessoas que discordam desse ponto de vista sempre existiram, sobretudo dentro dos circuitos de pensamento anarquista, desde o século XIX. Academicamente, no século XX esse debate também foi mobilizado pelas feministas, por exemplo, Donna Haraway e Anna Tsing. Ademais, mais recentemente, o debate a respeito da questão da separação através da metafísica foi mobilizada também pela brasileira Denise Ferreira da Silva, que além disso fala como alguns humanos foram transformados em animais pela modernidade capitalista.

Maggot Mass, o novo álbum de Pharmakon — projeto de power electronics da artista experimental Margaret Chardiet — vai na mesma direção desse debate, trazendo elementos perturbadores da música industrial e uma atitude punk para criticar o capitalismo e as ações do humano de transformação dos corpos em produto e do animal em descartável. A abordagem, como é típica do power electronics, é bem frontal; não há metáforas ou qualquer intenção de poesia. Os vocais, rasgados, gritados, são perturbadores e se misturam com os graves assustadores e as batidas mecânicas de influência da música industrial. Sons orgânicos (talvez gravações de campo, ou apenas muito bem reproduzidos em estúdio) também aparecem ao longo do álbum, como sons de folhas, de passos na grama, de pele humana, carne, ou de moscas, todos unidos com a artificialidade, afinal, não tem porquê separar.

A música “OILED ANIMALS” é o destaque do projeto, trazendo esses elementos já presentes no restante do álbum, mas tendo também o melhor trabalho de texturas  — o que é feito com o noise nessa música é impressionante. Aguns elementos soam quase como gritos de desespero, que se unem à entrega vocal de Margaret Chardiet perfeitamente. A ideia geral é que se a natureza humana é consumir e transformar tudo — até mesmo a vida — em produtos, então que deixemos de ser humanos, e renasçamos, nem que seja como uma larva, uma planta, ou um musgo; qualquer coisa melhor que o humano, que não dependa desse ciclo de morte. Essa discussão é reforçada por meio do sample final escolhido, de uma entrevista com uma bióloga de raízes indígenas, ativista e estudiosa dos musgos.

Nada disso é fácil de ouvir, mas Maggot Mass é o tipo de álbum que deveria ser escutado por qualquer pessoa minimamente preocupada com o presente estado ecológico da Terra. Deveria ser escutado, também, por qualquer pessoa que gosta de música experimental e precisa de uma nova música que te tire da zona de conforto para lembrar que nem sempre ouvir música é algo positivo; às vezes as melhores são as que vão te fazer sentir pior — te fazer não ser mais humano.

Selo: Scared Bones Records
Formato: LP
Gênero: Experimental / Power Electronics, Noise
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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