Crítica | Mandelãoworld


★★★★☆
4/5

Uma característica interessante da maioria dos álbuns de funk lançados nos últimos meses, como Expedição a Terra do Funk, Diferente dos Iguais, Ritmada Só as Braba e outros, é a abrangência de tudo – ou quase tudo – que tomou conta ou que é criado no Mandelão. São quase infinitas batidas, samples e colagens de som compartilhadas entre DJs e MCs que estão constantemente lançando algo, cada um com sua abordagem e método. Pode até soar repetitivo, mas essa é a graça disso tudo; é a força motriz do funk.

E mesmo que haja essa troca, é possível perceber, seja pelas assinaturas, seja pelo conjunto de montagens ou escolhas em si, o que cada um faz individualmente. Nesse sentido, DJ Blakes é o nome mais conhecido: ele está definitivamente à frente de todos – o viral “Relaxa a Bct Mulher” pode facilmente provar isso. Aqui, o DJ e produtor se esforça para tornar palpável sua onipresença como um dos nomes mais importantes da cena e ele não só o faz, como também zomba, entre risadas de palhaços e beats quase circenses de tão alegóricos (ainda que ruidosos e tuinizados no último), do que parecem ser suas referências.

Mandelãoworld claramente brinca com ASTROWORLD de Travis Scott, basta ver a semelhança na capa ou mesmo em algumas referências dentro do álbum, como a versão mandela de “FE!N” e “SICKO MODE”, infinitamente melhores que as originais. O interessante é que tudo é muito consciente e não há semelhanças além das mencionadas, já que neste disco, como dito anteriormente, Blakes busca apenas explorar a extensa variedade de som da cena que ele, mais do que ninguém, é um dos responsáveis por expandir.

A abertura, “Universo do Mandelão”, um megazord de 5 minutos, pode levar alguns segundos para fazer sentido; é quase toda sustentada por aleatoriedades e mudanças rápidas que condensam bem o quão representativa é a força de Blakes como alguém que está aqui para validar o maior contrassenso da música brasileira hoje — quando os fogos de artifício são lançados e Mc Gw finalmente aparece, tudo acaba e voltamos ao começo: “Welcome to Mandelãoworld”. Também é essencial a quase releitura de “Ai, Ai, Ai”, que justifica a dança dos guarda-chuvas nos bailes. Neste ponto, é possível notar que Blakes entende a necessidade de trazer a experiência sensorial para sua representação, seja do Mandela ou do funk como um todo. Isso fica evidente à medida que suas distorções pendem para fragmentos semi-industriais, batidas que renovam o beat de bruxaria e suas marcas registradas (“Beat Magicamente Mágico”), ou texturas mais minimalistas que, mesmo recorrendo à ideia de soar básicas e próximas a outras peças do gênero, ainda são efusivas em sua gama de elementos (“Astrothunder - Mandelãothunder”).

DJ Blakes definitivamente acerta nisso: nessa transmissão de muito do que já se conhece no funk, porém sob suas perspectivas que trazem o Mandelão através de referências internas e externas às razões criativas adotadas ao longo do álbum. É como se houvesse um senso de propagação em suas músicas que dispensasse a necessidade de avançar rumo ao que pode ser inteiramente novo, inédito e já bastante preso a nomes como DJ Arana e d.silvestre. E, diferentemente de A Lenda, lançado ano passado, o reconhecimento que Blakes busca atingir neste disco – e consegue – é focado no produto, e não em sua persona. Para um artista tão jovem, além de mirar e acertar o alvo na homenagem talvez puramente narrativa ao berço dos maiores avanços do funk paulista, há também uma maturidade estoica que é tão positiva quanto a ousadia constante de seus trabalhos recentes.

Selo: Hype do Funk
Formato: LP
Gênero: Funk / Mandelão

Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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