Crítica | Sem Música


★★☆☆☆
2/5

“100% doutrinado a vencer”
“Se eu venci você pode vencer”
“Vencer, vencer, vencer”

Essas são algumas das frases frequentemente repetidas por Mc Daniel em sua nova e gigantesca empreitada, que mistura funk paulista, trap e pós-ostentação. É também o puro suco desses apontamentos neoliberais, não só temáticos, que se voltaram contra o funk após o endosso de algumas das maiores produtoras ao candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal, viralizar.

Mc Daniel não é nada discreto em se colocar na posição de um menino pobre que superou as adversidades da vida. Ele até tenta trazer um pouco de funk consciente, mas parece desistir ao perceber que rimar, cantar e tentar estruturar suas músicas do jeito que Mc Hariel faz, é a melhor forma de lançar dezesseis delas.

O mais engraçado — ou não — é que, ao tentar assumir o manto de Hariel, ele contradiz a própria intenção deste álbum, que é mostrar ao público que ele, ao contrário do que dizem, tem músicas e não é famoso apenas por um hit ou por sua presença na mídia ancorada por relacionamentos. Daniel, aliás, ataca constantemente a mídia aqui. Não porque haja um motivo, já que ele se beneficiou muito da mídia em si. Ele faz isso porque o funk, principalmente o de São Paulo, sempre fez, e Sem Música é justamente a reescrita desse funk, porém com claras distorções e erros de percurso.

É impressionante como Daniel escolhe a forma como quer se comunicar. Se ora quer expor seu passado, ele o faz através de uma exposição muito fácil, e neoliberal, sobre como o dinheiro e os luxos podem, individualmente, atuar como objeto de ascensão, e é por isso que ele é constantemente alvo de inveja — um fantasma criado pelos brasileiros para que eles possam expor suas condições desiguais sem serem julgados. Sem contar quando Daniel tenta equalizar seus privilégios com os jovens de hoje nas periferias, algo nitidamente contrastante tanto dentro quanto fora das linhas da obra.

É extremamente superficial e inconveniente – apontado diretamente e contra a alegação de que a favela venceu. Nesse ponto, é até uma retórica que não só mira para essa extrema individualização de um movimento que tem raízes no coletivo, mas também realmente aproxima Mc Daniel da figura de Marçal, que vem trazendo debates sobre o funk como um produto hoje muito distante das objeções que o sustentam desde seus primórdios. Essa distância é evidente até na ostentação que, aqui, vai além da simples ostentação; é pura e ideologicamente inclinada à direita e suas ideias de consumo.

Selo: Lyons Produções
Formato: LP
Gênero: Funk
Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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