Crítica | Two Shell


★★★☆☆
3/5

Quando surgiu, Two Shell parecia mais um artista de música eletrônica cuja ideia principal era encher as pistas de dança com bangers que explodissem as caixas de som. À medida que desenvolviam uma personalidade um tanto estranha, nunca revelando suas verdadeiras identidades, a dupla tentava não apenas fazer música para os clubes, mas também ocupar esses lugares com uma mistura de eletrônica de vanguarda, com distorções e criações de melodias nem tão inusitadas (tecendo fragmentos do UK bass à sua maneira), mas também muito acessíveis, com uso desenfreado de samples que transformavam tudo — e às vezes o nada — em boa música.

Two Shell, o álbum de estreia desses verdadeiros fanfarrões, é um momento importante para eles. Não é apenas um realinhamento de ideias e criações, contendo a essência dançante do projeto, mas também é uma mensagem de que, assim como no passado, ainda há artistas de música eletrônica prontos para emergir de algum caso especial pensado — é como se a excentricidade do Aphex Twin e o mistério de Daft Punk se unissem em torno de algo que ressoa não apenas com a ideia de seu surgimento, mas também com parte do som que eles criaram (“₊˚⊹gimmi it” unindo os glitches estratosféricos do final dos anos 90, cheios de breaks e com um viés pop eletrônico próximo aos anos 2000).

Essa ideia quase central percorre “Stars”, principalmente. É aqui que os fragmentos vocais parecem ser usados com tamanha força destrutiva quanto nos hinos de pista da dupla, como "home", de 2022. O mesmo ocorre com "be somebody", dessa vez mais focada em uma espécie de refrão contínuo, que apesar de sofrer interferências estruturais — uma carga infinita de breaks e aleatoriedade instrumental — ainda soa perfeitamente ajustado ao dance que o álbum parece ora mastigar, ora cuspir em nossos ouvidos. É o tipo de experiência que valoriza não apenas as batidas que funcionam perfeitamente em uma câmara de eco gerada nos fones de ouvido, mas também em um espaço aberto de pura descontração. Talvez seja nesse molde que Two Shell se torne ainda mais relevante. Há uma condensação tão profunda de tudo que ela nunca, em nenhum momento, soa perdida em suas direções ousadas e devidamente calculadas para soar absurdas ("Mad Powers").

É bobagem falar deles como “a promessa do futuro da música eletrônica”, especialmente considerando inúmeros artistas fazendo coisas boas que sequer imaginamos. Mas é impossível ignorar o quão forte é a presença deles como nomes que tendem não só a gerar tendências — “home” é talvez o maior hit do gênero desde que se tem notícias — mas também sabem brincar com o que mais move os ouvintes: uma mistura de novas experiências e velhas conformidades. Two Shell não reinventa a roda, tampouco parece destinado a criar inovações. Seu som é abrangente, combina passado e presente muito bem, brinca com a roubofonia e nunca parece se conter diante de ameaças (direitos autorais). É o tipo de coisa que raramente acontece em um estado maior de consumo demográfico global (um mainstream que existe apenas na cena dance/eletrônica). E é por isso que testemunhar seu nascimento é uma das melhores coisas dos últimos anos.

Selo: Young
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / UK bass, Pop

Matheus José

Graduando em Letras, 23 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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