Revisamos a discografia principal de Caribou em preparação para o lançamento de Honey, seu novo álbum.
É impressionante como a discografia de Caribou dispersa constantemente seus temas e estilos. Mesmo quando ele provoca algum movimento para avançar ou retornar a um certo ritmo explorado anteriormente, ainda há uma ideia de que as coisas vão muito além disso, como se nada realmente seguisse o mesmo caminho de antes. Sua passagem pela música eletrônica se deu por abordagens que pairavam sobre o rock, o folk e a psicodelia que unia tudo. Seus melhores álbuns têm uma sinceridade que transcende a barreira narrativa; é acima de tudo a sinceridade do fazer, criar e expor. É com essas máximas em mente que nos reunimos e avaliamos a discografia principal de Caribou, enquanto ele se prepara para o lançamento de Honey, seu novo álbum.
Start Breaking My Heart
2001
★★★★☆
Mesmo que se tentasse, não havia como separar Caribou de seus compatriotas eletrônicos que, no final dos anos 1990, ainda tinham um longo caminho a percorrer em termos das novas nuances do gênero e das formas de consumo que estavam se estabelecendo ali.
Start Breaking My Heart é talvez a chamada mais eletrônica que Caribou guiou suas ideias. Aqui, o IDM cortante que insinuava Boards of Canada e Aphex Twin era evidente entre algumas peças que, apesar do volume sintético, ainda soavam muito naturais – verdadeiramente naturais, de natureza.
O próprio refinamento de texturas e dimensões que enjaulam uma atmosfera tropical (“People Eating Fruit” e “Children Play Well Together”) parecia em total acordo com a linguagem altamente manipulada das novas tecnologias treinadas com o advento da internet. Start Breaking My Heart fundamentou o começo de muitas coisas. — Matheus José
Up in Flames
2003
★★★☆☆
Totalmente o oposto de Start Breaking My Heart, exceto pela base eletrônica, Up in Flames tem cara e características diferentes quando se trata das intenções de Caribou em um novo passo em sua carreira: ele queria mudar.
Aqui, os breaks eletrônicos são substituídos por guitarras, harpas e pedais que evocam uma espécie de psicodelia dos anos 60. Essa é, de fato, a maior referência declarada pelo produtor, fazendo, inclusive, escolhas vocais que deram maior amplitude ao seu rock eletrônico à la Beach Boys.
É o tipo de transição, ou proposta, que não daria certo hoje dada a banalidade do termo "versatilidade" usado para diferentes readaptações feitas por artistas que muitas vezes se encontram perdidos. E essa é, aliás, a maior conquista de Up in Flames: ele nunca parece estar perdido. — Matheus José
The Milk of Human Kindness
2005
★★★☆☆
The Milk of Human Kindness é o primeiro álbum em que Dan Snaith assumiu de fato o nome artístico Caribou, antes se chamava Manitoba. E aqui, apesar de seguir sua inquietude, as coisas continuam como ele havia estabelecido em Up in Flames.
Acompanhamos sua viagem ao passado, na psicodelia dos anos sessenta e criações que brincam com seu rock numa abstração nostálgica e eletrônica. É, na verdade, uma combinação de todas essas percepções, às quais ele corresponde indo além de alguns signos estabelecidos até então – é como se fosse sua formação indietrônica definitiva, feita por escolhas de samples extremamente auspiciosas.
É, de certa forma, como se sua obsessão pela psicodelia resistisse e criasse um campo de pesquisa só para ele, assim como Aphex Twin estabeleceu com sua obsessão pelo ambiente. Se tem uma coisa que isso é, é intrigante, pois sabemos para onde Caribou iria a partir daqui. — Matheus José
Andorra
2007
★★★★☆
Andorra é um trabalho de transição da discografia de Dan Snaith. Quarto álbum de estúdio de sua carreira, este também é sua estreia na Merge Records. Em nove faixas, incluindo os singles “Melody Day” e “She’s the One”, ele em primeira instância segue uma linha parecida de seus segundo e terceiro álbuns.
Porém, Snaith vai a fundo na psicodelia retrô que estava em alta nos anos 2000, por artistas como Animal Collective, Devendra Banhart e MGMT. É um mergulho profundo e, em Andorra, deixa de lado, nas sétimas primeiras faixas, o diferencial eletrônico. Isso muda a partir da melancólica “Irene” e do épico “Niobe”, que servem de prelúdio ao som tecnológico dos próximos trabalhos do Caribou.
Andorra tem suas particularidades, apesar de um trabalho parecido com Up in Flames. O seu “deep dive” repaginado dos anos 1960, de The Mamas and the Papas e, claro, The Beach Boys, destaca hits no catálogo de Caribou, como “Mercury Day” e “Sandy”. — Vinicius Corrêa
Swim
2010
★★★★★
Não é à toa que Swim, o quinto álbum do canadense Caribou, é considerado um divisor de águas na carreira do artista. Abrindo uma nova década, o álbum também inicia a segunda metade da obra de Dan Snaith e é conhecido por revelar o ápice do seu desenvolvimento criativo. Se os álbuns da primeira metade, embora todos excelentes, podem ser avaliados de modo “não uniforme”, pois neles o artista parece buscar referências externas, advindas de seus gostos pessoais — é o exemplo do IDM de Start Breaking My Heart e da psicodelia sessentista amplamente explorada em seus demais álbuns —, em Swim, por outro lado, Caribou consolida de vez o que já havia experimentado no antecessor Andorra: muda seu campo de observação de elementos externos para internos, focando sua experiência nas pistas de dança londrinas e como gostaria que sua música soasse de fato.
Essa mudança de rota rendeu uma receita inovadora, intimista e ainda orgânica, na qual as experimentações de outrora agora encontram e abraçam o eletrônico, e a cereja dessa deliciosa sobremesa é dada logo no início: “Odessa”, faixa que abre o álbum, é talvez a música mais acessível já criada por Snaith, um caminho hipnotizante entre o deep house e a indietrônica que conquista pela batida inconfundível mesclada a uma linha de baixo cíclica. A presença de eventuais cordas e sopros e a ideia de faixas crescentes adornam o álbum ao percorrer as demais faixas, com destaque para a dançante “Kaili”, a refrescante “Hannibal” e o encerramento “Jamelia”, este com os vocais de Luke Lalonde (Born Ruffians).
Ainda que Swim possa não ser o elemento mais maduro da proposta musical de Caribou na segunda década de sua obra — papel que recaiu em seu álbum sucessor, Our Love —, ele é, com certeza, o ponto de ruptura perfeito, que precisava acontecer para que mais um capítulo (e arrisco dizer, o principal) da obra de Dan Snaith pudesse ser criado, desta vez conquistando ainda mais as pistas de dança mundo afora e provando a incrível versatilidade do artista canadense, no melhor sentido da palavra. — Raquel Nascimento
Our Love
2014
★★★★★
E se seu retorno às pistas de dança em Swim havia revelado uma nova maneira de expor sua intimidade sem necessariamente se expor de graça, Our Love é o entendimento de Caribou sobre como ele poderia ecoar a força que o fez atingir seu ápice criativo anteriormente.
Our Love é outro pico, dessa vez mais abrangente, popular e formulado com o melhor que Dan Snaith havia construído ao longo de sua carreira, já bastante extensa naquele longínquo ano de 2014. O álbum segue o suco da música eletrônica de dança ao longo dos anos 2010, em um estilo house que acenava a Against All Logic e DJ Koze sem perder o próprio refinamento de Caribou. É intuitivo, pois nele o produtor parece solidificar de uma vez por todas sua obsessão por um perfeccionismo quase 3D que, sem forçar a barra, conseguia se adaptar perfeitamente ao ouvinte e sua experiência diária com a música eletrônica.
Ali se desenvolveu um design sonoro moderno e, ao mesmo tempo, muito robusto e denso, que deu a Our Love uma fachada gigantesca, quase inatingível, e que lançou Caribou ao centro do mundo, desta vez através de um único projeto e não de vários deles como ele havia feito quando passou por sua fase inspirada pela psicodelia dos anos sessenta. — Matheus José
Suddenly
2020
★★★★☆
Olhar para a discografia de Caribou é perceber suas constantes idas e vindas, despedidas e retornos, antigos e novos, saídas e chegadas. Em Suddenly, ele permanece na festividade eletrônica e dance que havia, como sempre, retomado em Swim. Mas aqui, no entanto, sua abordagem é mais direta.
Direta porque, diferentemente de Our Love, ele sabia que queria adaptar o house à quase abandonada, mas nunca descartada, indietrônica estabelecida no passado. Suddenly vai desses momentos de batidas eletrônicas secas para reverberações mais imersivas, meditativas e acessíveis com um diálogo com o pop.
É definitivamente o álbum mais pop de Caribou, e isso não é um demérito. Ao longo de sua carreira, ele sempre foi permeado por uma importância que o distanciava do que era, de certa forma, popular. É como se ele fizesse música para um grupo seleto de pessoas interessadas em entender suas diferentes passagens. Mas isso não era verdade; nunca foi. E Suddenly definitivamente exemplifica o porquê. — Matheus José
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