Classificação AT | Hypnagogic Pop


Explore o gênero que, por meio da nostalgia, gera distorção no tempo presente e cria um espaço de experimentação único para os dias atuais

Na grande maioria das vezes, quando se pensa em uma música que tenta retomar uma nostalgia de uma época, sempre nos deparamos com fenômenos esteticamente ou politicamente reacionários. Isso porque o fator nostálgico é sempre muito útil como um comentário para fantasiar um passado que nunca aconteceu, mas que é sempre melhor que o presente corrompido. O que felizmente não é o caso no Hypnagogic Pop, onde o presente é a matéria de utopia e o passado é meramente debochável.

Como o Hypnagogic Pop surgiu?

Assim como a maior parte dos gêneros musicais classificados, o hypnagogic pop não nasceu como uma tendência específica intencional: é mais uma questão de entender qual estética estava tentando ser projetada em um contexto específico. Ao final dos anos 90, estávamos vivendo uma mudança drástica na concepção da música pop, especialmente dos Estados Unidos. A indústria não pensava mais na capacidade da união de estéticas que flertassem com o experimental (como era o caso da música pop da new wave, ou do rock dos anos 60 ou 70). Agora, artistas pop estavam sendo moldados a uma fórmula, que era autofágica, sempre repetitiva em si mesma.

Nesse momento, alguns artistas já pensavam então na diferença que a música pop estava se dando naquele tempo, em relação à época em que eles começaram a ouvir música, especialmente o pop dos anos 1970 e 1980. Como eu disse anteriormente, isso tinha tudo para se tornar uma produção altamente reacionária, mas Ariel Pink, um dos “fundadores” (pensando, novamente em algo não intencional, mas na criação de uma estética influente) do Hypnagogic Pop, já compreendia que nada poderia ser feito exatamente como antes. Então pensou em como unir as técnicas do momento com a sonoridade do passado. Nisso ele fundou a banda Ariel Pink's Haunted Graffiti, que junto a ele fundaram muito da sonoridade do gênero.

Como o Hypnagogic Pop soa?

A princípio, a ideia era realmente evocar uma musicalidade típica dos anos 1960 a 1980. É curioso que possa parecer que é apenas a parte psicodélica dessa época, devido à associação frequente entre o hypnagogic pop e a neo psicodelia. O que não faz muito sentido musicalmente, se pensarmos que a neo psicodelia se preocupa muito mais em apenas evocar um sentimento do passado, a partir de diversas influências dele, e construir isso nas estruturas musicais que são feitas hoje. No h-pop, não é isso que acontece.

Se pegarmos as músicas de Ariel Pink como exemplo, podemos perceber que ele cria músicas anacrônicas, estruturalmente e na composição, então, músicas que seriam lançadas entre os anos 1960-1980, inicialmente sem problema algum. A grande virada de chave, então, são as técnicas atuais de manipulação, usadas para desestabilizar o conforto com uma música pop antiga, aparentemente tão simples, como todas as músicas pop tendem a ser.

É por meio disso que o hypnagogic pop entra paralelamente na psicodelia, pelo desconforto, pelas interrupções em uma composição com formato clássico — mas entra também no terreno do experimental, não por causa da sua complexidade de composição, mas porque destrói nossa concepção de uma possível nostalgia dos elementos do passado e faz tudo parecer sobreposto; o hoje e o antes. Nesse sentido, o h-pop está mais relacionado com gêneros como o vapor, do que com a neo psicodelia

Algumas dessas técnicas mais elementares que são utilizadas são a mudança de ritmo no meio da música, que são influência da música de improvisação (mudanças de compasso, ou andamento), samples distorcidos e muitos efeitos artificiais em estúdio, associados a uma produção de baixa fidelidade (lo-fi) — que criam uma película de distorção entre a música e os ouvidos de quem escuta as músicas do gênero. Como dito, essas são algumas, e das mais “clássicas”. O hypnagogic pop também tem uma outra face, de artistas que chegam ao gênero de outras formas, como é o caso da dupla Hype Williams, ou mesmo de James Ferraro, mais no fim dos anos 2000, ou Cindy Lee, mais recentemente.

Nesses casos o que permanece é essa brincadeira com a música do passado e a criação de uma distorção do presente, mas as técnicas de como realizar são distintas. Começam a aparecer mais colagens sonoras, principalmente de influência do James Ferraro, elementos do noise, drone, colagem de som, dub, e influências mais próximas do experimental. O curioso é que, embora alguns dos projetos de h-pop comecem a ser mais notavelmente experimentais, eles raramente, ou quase nunca (a exceção mais evidente seria o próprio Ferraro), abandonam a forma mais palatável da música pop, fazendo com que qualquer um minimamente interessado consiga aproveitar essas músicas, sem muito desespero.

E é dentro dessa chuva de possibilidades de manipular o passado que o h-pop se fez e é feito até hoje, visto que muitos desses artistas continuam ativos e são até hoje muito importantes. E são altamente prolíficos, o que torna esse ainda um gênero difícil de definir em pouco tempo e ao mesmo tempo muito interessante, pois sempre podemos esperar novas inovações aparecendo nele.

Indicações


Love is Real
John Maus

Entre os álbuns com uma abordagem mais clássica do hypnagogic pop, esse é um dos mais bem sucedidos na relação sonoridade-qualidade. A fórmula oitentista do synthpop junto com todos os elementos revisionistas, e quase distópicos, do presente. É um álbum maravilhoso e muito gostoso de escutar.

Formato: LP
Ano: 2007




iAsia
James Ferraro

Diferentemente de outros álbuns aqui selecionados, o iAsia é bem mais complicado sonoramente, mas muito bem esculpido e um álbum que é indispensável para entender a zona mais experimental do hypnagogic pop. As colagens sonoras são fundamentais para entender o quanto “distorção” é a palavra-chave para o gênero muitas vezes. Bem mais do que “nostalgia”.


Formato: LP
Ano:
 2009




The Attitude Era
Dean Blunt & Inga Copeland

O trabalho máximo de Hype Williams, incluindo tudo que eles fizeram enquanto grupo e amalgamando em um projeto que, assim como os outros do grupo, pode até soar amador inicialmente, mas passa longe de ser de verdade. É a união perfeita entre músicas que ainda parecem muito com as músicas pop dos anos 1980, mas que junto ao dub, ao noise, influências do drone e de técnicas do hip-hop, se transformam numa perspectiva de como transformar todo o conceito de música que temos hoje. Não só um dos álbuns mais importantes pro hypnagogic pop, mas talvez o mais importante dos últimos 15 anos.


Formato: LP
Ano:
 2012




Pom Pom
Ariel Pink

Decidir ficar com um álbum mais recente do Ariel Pink, sem Haunted Graffiti, para mostrar que, mesmo sendo um artista que trabalha em torno desse teor mais clássico do hypnagogic pop — afinal, Pom Pom não é nada mais que um álbum de psicodelia clássica musicalmente, com forte presença da produção lo-fi — não é uma cópia, ou apenas mais um álbum no mesmo estilo que os primeiros. Aqui vemos uma inovação estética muito interessante de Ariel Pink e, não à toa, o álbum dele que mais permaneceu para a geração atual.

Formato: LP
Ano:
 2014




Act of Tenderness
Cindy Lee

Cindy Lee ficou ainda mais famosa recentemente, devido ao seu álbum Diamond Jubilee — que também está dentro das tendências do hypnagogic pop e explorando outras faces do gênero — entretanto, o álbum aqui escolhido é por relevância ao gênero. Act of Tenderness é um manifesto da experimentação pop por meio de uma produção lo-fi, que cria um trabalho que paralelamente dialoga com tendências do noise. É atravessando essas distorções, nesses álbuns, que o terreno do hypnagogic pop se torna cada vez mais interessante e mostra sua capacidade de experimentação.

Formato: LP
Ano: 2015
Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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